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Colunistas do Lepadia

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REPATRIAMENTO DE MULHERES DE JIHADISTAS PELA BÉLGICA E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DE SEUS FILHOS: O CONFLITO ENTRE OS INTERESSES DO ESTADO E O INTERESSE DA CRIANÇA

Daniele Gomes de Moura

Graduada em direito pelo CEUMA, Maranhão. Mestre em Direito Público pela Universidade Estácio de Sã. Mestre em Direito civil e penal pela Université Libre de Bruxelles (ULB). Mestranda em direitos da criança e do adolescente pela Université Libre de Bruxelles (ULB).

E-mail: danielegdemoura@icloud.com

A Bélgica vem, através de missões de repatriamento, encarcerando mulheres e institucionalizando crianças. Realizaram duas missões até o presente momento. A primeira aconteceu em julho de 2021, repatriando dez crianças e seis mães e a segunda missão em junho de 2022, desta vez foram dezesseis crianças e seis mães. Em ambas missões, as famílias foram resgatadas do campo de Roj, Síria.

Estas famílias composta por mães e crianças estavam trancadas em campos sírios devido a prisão de seus companheiros, combatentes do grupo terrorista Estado Islâmico. As condições de vida dos campos são descritas como “desumanas” pelos defensores de direitos humanos e demandam ações medidas urgentes.

Muitas destas famílias são de nacionais belgas ou descendentes de nacionais belgas. Pois, desde o inicio da guerra na Síria em 2011, mais de 400 belgas partiram com objetivo de juntarem-se às organizações jihadistas na Síria. Motivo pelo qual o Estado belga precisou montar um plano para lutar contra o terrorismo e o processo de radicalização no País. Para tanto construíram uma Estratégia visando o Extremismo e o Terrorismo (Estratégia TER), com a coordenação da OCAM (Órgão de Coordenação de Análise de Ameaças). [1]

O órgão belga responsável pela análise da ameaça terrorista constatou que, tanto as crianças quanto suas mães, encontradas nestes campos precisavam de "monitoramento permanente", e que trazê-las para a Bélgica, facilitaria tal objetivo.  Justificaram a medida através do argumento que “para a nossa segurança nacional, um regresso controlado constituiu a melhor garantia de um acompanhamento adequado por parte de todos os serviços competentes”.[2]

O detalhe desta operação é que, a maioria destas mulheres que foram repatriadas possuíam mandados de prisão que só poderiam ser executados após sua entrada em solo belga. Tanto que, ao regressarem, o Ministério Público Federal cumpriu os mandados de prisão para as mulheres e encaminharam as crianças, no primeiro momento para o hospital, com a finalidade de fazerem um check-up de suas condições de saúde. E, algumas foram encaminhadas para serem institucionalizadas.

A institucionalização de crianças, segundo a Convenção Internacional Relativa aos Direitos da Criança, é considerada como uma medida excepcional, devendo os Estados membros garantir que estas não sejam separadas de seus parentes e, caso sejam, garantir-lhes o contato entre eles.

As autoridades belgas afirmam que a decisão destas famílias de retornar para a Bélgica decorreu de forma voluntária, tendo como condições para o repatriamento das mães a “demonstração do desejo de retornar e o distanciamento da ideologia extremista.” Inclusive, afirmaram que, a decisão de trazer as crianças era para evitar que no futuro estas se transformassem nos “terroristas de amanhã”.[3]

Nos parece um precedente perigoso. Afinal a narrativa apresentada é de proteção à criança, através de um discurso assistencialista e salvacionista. Porém algumas questões ficaram sem respostas, tipo: estas famílias, antes de aderirem ao programa de repatriamento, foram informadas do mandado de prisão contra as mulheres? Tiveram conhecimento de que as mulheres seriam presas quando chegassem em solo belga e seus filhos institucionalizados?

Se a resposta for negativa, nos parece que, através do discurso humanitário, criaram um engodo, com o objetivo de prevalecer os interesses do Estado belga em detrimento dos direitos humanos dos envolvidos. Não basta a propagação de narrativas humanistas, é preciso transparência no processo inteiro.

Assim como é preciso esclarecer que não encontramos informações referentes ao conhecimento destas mulheres de sua situação jurídica diante da condenação belga, nem se as mesmas estavam cientes de sua condenação à revelia e que, por esta razão, seriam encarceradas. Também não encontramos indícios de que as crianças repatriadas e institucionalizadas estariam mantendo contato com as mães encarceradas e como este contato estaria sendo operacionalizado, muito menos sabemos a situação jurídica destas crianças, como destituição do poder familiar ou casos de adoção.

Neste momento concluímos que, é preciso cautela para não chancelar medidas que promovam interesses do Estado em detrimento dos interesses da criança. Assim como a adoção de um olhar holístico sobre estas medidas. Especialmente verificar se os Estados não estariam, através de argumentos humanitários, especialmente de proteção das crianças em condições desumanas nos campos sírios, fazendo prevalecer suas politicas de segurança, pois neste caso nos parece que, as politicas protetivas estariam sendo utilizadas como pano de fundo para promover e prevalecer políticas de segurança, pois o desenrolar destas operações desembocam na institucionalização das crianças e o encarceramento de suas mães.

 

 

[1] OCAM, “La Stratégie TER”. Disponível em: https://ocam.belgium.be/que-faisons-nous/#La_Strategie_TER. Acesso em: 15 de agosto de 2022.

[2] OCAM, “Repatriement d’enfants belges et des méres depuis la zone de conflit em Syrie”. Disponível em: https://ocam.belgium.be/rapatriement-denfants-belges-et-des-meres-depuis-la-zone-de-conflit-en-syrie/. Acesso em: 15 de agosto de 2022.

[3] RTBF, “De Croo défend le repatriement d’enfants de juhardistes”. Disponível em: https://www.rtbf.be/article/de-croo-defend-le-rapatriement-d-enfants-de-djihadistes-10996246. Acesso em: 15 de agosto de 2022.

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