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Guilherme Augusto Lippi Garbin

Mestre em Direito e Ciência Jurídica, especialidade em Direito Constitucional, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2021). Especialista em Direito do Estado, com ênfase em Direito Constitucional pela Universidade Estadual de Londrina (2016-2018). Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná - campus Londrina (2011-2015). Membro do Laboratório de Estudos e Pesquisas Avançadas em Direito Internacional e Ambiental/UFRJ. Membro do Núcleo de Estudos em Sistemas de Direitos Humanos/UFPR. Professor universitário. Advogado.

20
Junho
2024

OS TRATADOS EM MATÉRIA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL E O DIREITO BRASIL

 

A preservação do ambiente natural é objeto tanto do direito nacional, quanto do internacional, havendo, por consequência, inafastável interação entre ambos, a qual nem sempre é harmoniosa, gerando implicações múltiplas.

Embora o olhar desta interação não se deve dar pelo prisma dos pensamentos monistas (capitaneados por Kelsen) e dualistas (capitaneado por Triepel), mas sim por um viés multinível, com a estruturação de canais comunicantes que fomentem a maior efetividade do direito e não a supremacia de uma expressão jurídica sobre a outra, é certo que no contexto jurídico brasileiro a matéria da relação interno-internacional é deveras marcada pelo silêncio normativo e pela resolução judicial.

Prova disto são as lições expressas nas aulas de direito constitucional e internacional público em escolas jurídicas país à fora que repercutem o entendimento do Supremo Tribunal Federal de categorização dos tratados em três nível normativos – os equiparáveis a lei federal (os tratados em geral), os supralegais (tratados em matéria de direitos humanos recepcionados ela ordem nacional via processo ordinário de recepção) e os equiparáveis à emendas à Constituição (tratados de direitos humanos recepcionados nos termos do § 3º, do art. 5º da Constituição) – estruturando, ao menos hierarquicamente, a relação interno-internacional.

Referida estruturação se faz sentir também no que toca aos tratados em matéria de preservação ambiental, pois, uma vez que o Brasil a eles se vincule – seja pelo processo ordinário de acolhida, seja pelo processo do art. 5° § 3º da Constituição, seja por acordos executivos – passarão a compor a ordem jurídica nacional, interagindo com as normativas pátrias, atraindo, por conseguinte, as regras relação.

Isto se dá, pois, tanto as normativas nacionais, quanto as internacionais estabelecem obrigações e direitos que podem ser idênticos – assim reforçando a tutela jurídica da preservação ambiental – contudo, poderão regrar a matéria de forma desconexa ou mesmo conflitante, o que, ao fim, vulnera a preservação do ambiente natural vez que levará a questão: qual normativa deve ser aplicada?

Se poderia indicar normativas tanto nacionais (como as regras de relação estatuídas pele Lei de Introdução das Normas do Direito Brasileiro), quanto internacionais (ao exemplo do art. 27 da Convenção de Viena sobre Direitos dos Tratados de 1969) para a solução da questão, o que, contudo, resultará no imperativo da supremacia, pois se dará a prevalência a uma expressão jurídica ou outra, ao invés de se buscar um caminho de conciliação voltado a melhor proteção.

Na atualidade pensamentos dicotômicos quanto a relação entre direito interno e internacional já não mais se mostram satisfatórios, se mostrando – ao que tudo indica – o caminho da comunicação voltado a melhor proteção, como o mais adequado.

Tal caminho tem, inclusive, fundamento jurídico, ao passo que tanto o direito nacional, quanto o internacional, estabelecem a proteção do ambiente natural como um direito fundamental das presentes e futuras gerações, o que, por conseguinte, permite a aplicação do princípio pro persona, resultando na aplicação da normativa se seja mais protetiva e promotora do ambiente natural equilibrado.

O que é certo é que na conjuntura atual do direito brasileiro – e mesmo do direito internacional – a matéria de preservação do ambiente natural se configura de importância fundamental a concretização de tanto outros direitos – ora, para que haja vida digna, é previso um ambiente natural que proporcione os elementos físico-químico-biológicos que as permita acontecer – sem mais acertado voltar a atenção e ação a melhor preservação, do que a formalismos hierarquizantes.

14
Fevereiro
2024

COP-30: o Brasil no centro da política internacional ambiental

No final de maio de 2023 foi anunciada a decisão da Organização das Nações Unidas (ONU) de realizar a Conferência das Partes (COP) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em Belém, capital do Estado do Pará, o que coloca o Brasil no centro do debate climático global.

Sobre o tema se pode destacar duas grandes questões, as quais se buscará responder nesta breve coluna. São: o que é a COP-30? E qual a importância deste evento para o Brasil?

Para tanto é preciso remontar ao ano de 1992, mais especificamente entre os dias 03 e 14 de junho, período em que a cidade do Rio de Janeiro sediou a II Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento[1] – mais conhecida como Eco-92 ou Rio-92 – na qual representantes de mais de 100 países se reuniram para debater e tomar decisões quanto ao enfrentamento das mudanças climáticas que desde aquela época já eram sentidas.

Dentre diversos marcos – ao exemplo do histórico discurso de Severn Suzuki[2] – a Rio-92 teve como resultado textos convencionais voltados a preservação da biodiversidade e ao enfrentamento da desertificação e das mudanças climáticas, cabendo destaque a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climática (United Nations Framwork Convention on Climate Change – UNFCCC).

Segundo o artigo 2 da UNFCCC[3], seu objetivo:

[...] e de quaisquer instrumentos jurídicos com ela relacionados que adote a Conferência das Partes é o de alcançar, em conformidade com as disposições pertinentes desta Convenção, a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático. Esse nível deverá ser alcançado num prazo suficiente que permita aos ecossistemas adaptarem-se naturalmente à mudança do clima que assegure que a produção de alimentos não seja ameaçada e que permita ao desenvolvimento econômico prosseguir de maneira sustentável. 

 

Para alcançar este objetivo e ciente que as mudanças climáticas são dinâmicas e demandam constante pensar, repensar, vigilância e atuação, a UNFCCC previu como seu órgão supremo a Conferência das Partes (COP), a qual cabe manter “[...] regularmente sob exame a implementação [da] Convenção e de quaisquer de seus instrumentos jurídicos que a Conferência das Partes possa adotar, além de tomar, conforme seu mandato, as decisões para promover a efetiva implementação [da] Convenção [...]”[4], conforme assenta o artigo 7, n. 2 do texto internacional.

De realização ordinária anual, a COP já conta com 27 edições – tendo a primeira ocorrido em Berlim em 1995 – tendo a última ocorrido entre os dias 30 de novembro e 12 de dezembro de 2023 em Dubai, Emirados Árabes Unidos, sendo certo que nestes quase trinta anos de atuação a COP angaria vitórias e frustrações.

Isto porque, se por um lado da COP-3 e da COP-21 resultaram em importantes instrumentos jurídicos de enfrentamento das mudanças climáticas (Protocolo de Kyoto e Acordo de Paris, respectivamente), por outro a concretização fática destes compromissos pelos Estados-partes da UNFCCC se mostra como o principal entrave ao efetivo alcance dos objetivos da Convenção.

Tanto assim que o Acordo de Paris (ao lado da UNFCCC) prevê a apresentação dos efetivos resultados alcançados pelos Estados-partes, o que traz destaque a COP-30 a ocorrer em Belém/PA em 2025, vez que se completarão 10 anos de vigência de tal instrumento jurídico-internacional, fazendo o Brasil o centro mundial de debates dos sucessos e insucessos da empreitada humana face as mudanças do clima.

Esta centralização traz à tona a segunda questão posta, pois, embora seja louvável o retorno dos debates climáticos ao país da Rio-92 e sua ocorrência no multicitado ambiente amazônico – contribuindo para o desenvolvimento econômico da região – é preciso averiguar as diversas facetas da importância desta COP para o Brasil.

A primeira delas, talvez, seja um reposicionamento do Brasil na política ambiental global, com a retomada de sua imagem como um Estado estratégico nas questões do clima, o que, por um lado, reaviva o olhar as práticas positivas em matéria ambiental realizadas na seara brasileira, mas, por outro, faz os olhos do mundo recaírem de forma mais criteriosa sobre o Brasil, em especial, sobre suas mazelas ambientais.

Basta uma breve consulta a jornais e mídias informativas para localizar dados e noticiais que mostram que este Brasil que recepcionará a COP-30, é o mesmo país que quebrou recordes de desmatamento, que promove um constate processo de enfraquecimento dos instrumentos legais e estatais de preservação do ambiente natural e que, em matéria de compromissos internacionais, se mostra deveras contraditório quando verificadas suas atuações.

Esta dicotomia, em que pese inquietante, é, ao que tudo indica, a segunda e (assim se crê) mais destacada faceta que este breve texto tem a possibilidade de indicar, pois, salvo pensamentos em contrário, a COP-30 é um convite para a mudança.

E assim se crê não só em virtude de tal espaço de debate ser um fórum de reflexão sobre as questões climáticas, mas principalmente em razão do compromisso de realizar a COP-30 se desdobraram diversos processos de reflexão, escolha, engajamento e mudança.

Ora, ao atrair a responsabilidade de recepcionar e fazer acontecer a principal reunião do globo sobre o clima, o Brasil assumi o compromisso de desde já fazer de seu direito, de sua política, de sua economia, de sua sociedade verdadeiramente comprometidos com a pauta do clima, fazendo da COP-30 uma oportunidade para uma mudança de postura e de conjecturas. Aqui repousa a importância da COP-30 para o Brasil.

É evidente que este pensar não pode ser ingênuo e desprovido de sustento no complexo contexto em que a temática ambiental se assenta no Brasil, contudo, não se mostra factível aos mais variados segmentos da sociedade brasileira se abster do debate e do compromisso de fazer da preservação do ambiente natural e do enfrentamento das mudanças climáticas uma pauta de unidade nacional e internacional, pois o alerta de Serven Suzuki[5] feito há mais de 30 anos segue atual e ressonante.

REFERÊNCIAS

[1] Cf. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Rio-92: Cúpula da Terra difundiu o conceito de desenvolvimento sustentável. Rio+20. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/a-camara/documentos-e-pesquisa/arquivo/sites-tematicos/rio20/eco-92>. Acesso em: 23 jul. 2023.

[2] Cf. DISCURSO de Severn Cullis Suzuki - ECO 92 (Rio Summit) Legendado em Português e Inglês. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=SyBVxm-N7JE>. Acesso em: 23 jul. 2023.

[3] BRASIL. Decreto n° 2.625, de 1° de Julho de 1999. Promulga a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima, assinada em Nova York, em 9 de maio de 1992. Brasília, DF: Presidência da República, [1998]. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d2652.htm>. Acesso em: 23 jul. 2023.

[4] BRASIL. Decreto n° 2.625, de 1° de Julho de 1999. Promulga a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima, assinada em Nova York, em 9 de maio de 1992. Brasília, DF: Presidência da República, [1998]. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d2652.htm>. Acesso em: 23 jul. 2023.

[5] Cf. DISCURSO de Severn Cullis Suzuki - ECO 92 (Rio Summit) Legendado em Português e Inglês. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=SyBVxm-N7JE>. Acesso em: 23 jul. 2023.

05
Junho 
2024

O DIREITO DE ACESSO À JUSTIÇA EM TEMPOS DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS

 

Quando se pensa nos impactos das mudanças climáticas cenas de destruição, perda de patrimônio e, principalmente, de vidas, recordam que os efeitos destas mudanças se fazem sentir de forma contundente no campo jurídico, cobrando do direito um agir contemporâneo ao cenário global.

Isto se dá, pois, os impactos destrutivos das mudanças atingem o exercício de diversos direitos, muitos deles fundamentais e/ou humanos, ao exemplo do direito à vida, do direito à moradia, do direito à saúde, do direito à segurança alimentar, dentre tantos outros, conforme – tristemente – nos comprovam as notícias da catástrofe ocorrida no estado do Rio Grande do Sul.

No entanto – e sem menoscabo dos direitos acima elencados – a citada tragédia demonstra que também o direito de acesso à Justiça se encontra no campo dos direitos fundamentais/humanos que sofrem os revezes das mudanças climáticas, fomentando, por certo, situações de necessário estudo.

Previsto tanto na esfera internacional – ao exemplo do Pacto dos Direitos Civis e Políticos de 1966, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos, da Convenção Europeia de Direitos do Homem[1] – como na interna – vide artigo 5°, inciso XXXV, da Constituição da República Federativa do Brasil[2] – o direito de acesso à Justiça é multidimensional, indo muito além do acesso físico aos prédios do Poder Judiciário.

Por acesso à Justiça se compreende, em dimensão ampla, o asseguramento material dos direitos fundamentais e humanos dispostos pelo ordenamento jurídico; asseguramento este que decorre da efetivação de políticas consubstanciadas em ações positivas e negativas do Poder Público e da sociedade que promovam a concretude dos direitos.

Já em sentido estrito, o acesso à Justiça pode ser compreendido como direito fundamental e humano voltado a garantir a todas as pessoas o acesso aos órgãos judiciários, estabelecendo tribunais pretéritos aos fatos que lhes são confiados a julgar que, baseados no devido processo legal e na imparcialidade das/dos julgadoras/es, prestam a sociedade a jurisdição voltada a pacificação social e a resolução dos conflitos existentes, promovendo a justiça. É esta dimensão do direito de acesso à Justiça que este breve escrito se dedica.

Isto porque, a situação que ocorreu (e segue a decorrer) no estado do Rio Grande do Sul apresentou – não só a comunidade jurídica, mas a toda a sociedade – que os impactos das mudanças climáticas se fazem sentir também no exercício do direito de acesso à Justiça.

Não só a inacessibilidade física dos prédios do Judiciário – estadual e federal – provam isto, mas também situações como a observada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região que teve de desligar seu data center[3], fazendo inoperável por certo período os sistemas de processo eletrônico daquele tribunal, o que, na atual quadra da atividade judicante brasileira, leva a quase – senão total – inoperância do sistema de Justiça, pois, se o processo eletrônico fica desativado e não há como peticionar fisicamente perante o Judiciário face as inundações, como se dará o acesso à Justiça?

Soma-se também que baixadas as águas, religados os sistemas e acessíveis fisicamente os tribunais, é certo que será necessário enfrentar o represamento das demandas, pois, no sopesamento acertado dos bens jurídicos, deu-se a suspensão dos prazos processuais – e consequentemente dos processos – o que, contudo, encontra termo, levando a necessidade de dispor organizações internas que visem assegurar entrega da jurisdição em tempo razoável, conforme preceitua o art. 5º, inciso LXXVIII[4], da Constituição Federal e assentado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos[5].

Este organizar interno leva a atuação – por diversas vezes normativa – das Cortes que, em virtude da omissão da legislação processual civil quanto aos impactos das mudanças climáticas no acesso à Justiça, publicam decretos, resoluções, atos normativos que buscam fazer cumprir o imperativo jusinternacional e constitucional de prestação da jurisdição, o que, por um lado é deveras necessário pois é em momentos tais que também o Judiciário deve ser acessível, mas, por outro, fomenta questões quanto a legitimidade e limite da atuação normativa do Poder Judiciário.

Por certo estes não são os únicos impactos que se sentem no exercício do direito de acesso à Justiça em virtude das mudanças climáticas, porém, o elenco acima fomenta a questão de que hoje é deveras necessário – senão emergencial – que as legislações processuais e os atores da jurisdição direcionem suas estruturas jurídicas, físicas e virtuais ao enfrentamento dos impactos das mudanças climáticas.  

 

[1] Pacto dos Direito Civis e Políticos da Nações Unidas, art. 14. Convenção Americana sobre Direitos humanos, art. 8 e art. 25. Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, art. 7. Convenção Europeia de Direitos do Homem, art. 6°.

[2] Diz “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

[3] TRIBUNAL REGIONLA FEDERAL. Eproc do TRF4 e eproc da JFRS sairão do ar. Porto Alegre, 03 mai. 2024.Disponível em: <https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=28178>. Acesso em 05 jun. 2024.  

[4] PIOVESAN, Flávia. Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2019. E-book. ISBN 9788530987152. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530987152/. Acesso em: 05 jun. 2024, pp. 114-116.

[5] Diz: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

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