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Lays Serpa de Souza de Oliveira e Silva

Mestranda em Direito pela Faculdade Nacional de Direito (UFRJ). Bacharel em Direito pela Faculdade Nacional de Direito (UFRJ). Foi bolsista do Programa Institucional de Fomento Único de Ações de Extensão (PROFAEX/2021) e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro - FAPERJ. Foi monitora de Direito Internacional Público II na Faculdade Nacional de Direito (UFRJ). É pesquisadora do Grupo de Pesquisa de Direito Internacional da UFRJ e do Laboratório de Estudos e Pesquisa Avançadas em Direito Internacional e Ambiental. Atuou como pesquisadora da "Cátedra OEA" na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP.

28
Setembro 
2024

Desafios atuais para a soberania dos Estados Insulares

 


Uma das regiões mais atingidas pelo desequilíbrio ambiental e avanço das mudanças climáticas é a Ásia-Pacífico, em especial os Estados-insulares, vítimas do severo aumento do nível do mar e iminente submersão/desaparecimento territorial, não obstante a descoloração de corais, salinização de fontes de água potável, desequilíbrio da fauna local, a diminuição de terras férteis e a intensificação de fenômenos ambientais, como o La Niña1, dentre outros problemas que já atingem a região.2 Importante destacar que esta região apresentou uma taxa de deslocamento de 80% no período entre 2008 e 2018, o que afetou cerca de 187 milhões de pessoas.3


O aumento do nível do mar implica na perda de território destes Estados e o ordenamento jurídico internacional, que tem se demonstrado insuficiente para prevenir, suprimir e superar os efeitos destas mudanças climáticas decorrentes de ações humanas, tampouco encontrou soluções possíveis para preservar a soberania dos Estados Insulares. A referida perda territorial representa, ainda, uma violação ao direito dos estados de dispor de própria riqueza, conforme preceitua o art. 1º, nº 2, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos4, traduzindo-se também em uma perda cultural: nas palavras de Yamanoto e Esteban, “a perda de tais culturas não só poderia ter consequências para os ilhéus, mas constituiria também uma perda para o patrimônio humano.”.5


Nesse contexto, a problemática da perda de territórios, ainda que gradual, merece atenção especial. A fragmentação e a possível perda da soberania desses Estados são suas consequências diretas, que em efeito cascata, resultam na incapacidade de assegurar uma vida digna aos seus cidadãos.


Tamanha a relevância da temática que questionamentos por parte sociedade internacional insurgem. Exemplo disto é o pedido de Opinião Consultiva apresentado pela Comissão de Pequenos Estados Insulares sobre Mudanças Climáticas e Direito Internacional (Commission of Small Island States on Climate Change and International Law - COSIS) ao Tribunal Internacional do Direito do Mar em 12 de dezembro de 2022:


What are the specific obligations of State Parties to the United Nations Convention on the Law of the Sea (the "UNCLOS"), including under Part XJI: (a) to prevent, reduce and control pollution of the marine environment in relation to the deleterious effects that result or are likely to result from climate change, including through ocean warming and sea level rise, and ocean acidification, which are caused by anthropogenic greenhouse gas emissions into the atmosphere? (b) to protect and preserve the marine environment in relation to climate change impacts, including ocean warming and sea level rise, and ocean acidification?6

 


Em recente decisão, de 21 de maio de 2024, o referido Tribunal concluiu que emissões de gases de efeito estufa, independentemente de sua fonte – terrestre, poluição de navios e poluição proveniente da atmosfera – são compreendidos enquanto forma de poluição marinha, cujos riscos associados podem ser irreversíveis ao ambiente marinho. Nesse sentido, o Tribunal compreendeu que os estados possuem o dever rígido (stringent due diligence obligation) de regular e fiscalizar as atividades com potencial ofensivo ao meio ambiente, a fim de evitar impactos negativos a outros estados e ao meio ambiente.


De forma similar, Estados Insulares solicitaram um pedido de Opinião Consultiva, aprovado na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas de 29 de março de 2023, por meio da Resolução A/77/L.58, a fim de que a Corte Internacional de Justiça aprecie as responsabilidades dos estados em relação à contenção e mitigação das mudanças climáticas:


(a) What are the obligations of States under international law to ensure the protection of the climate system and other parts of the environment from anthropogenic emissions of greenhouse gases for States and for present and future generations;
(b) What are the legal consequences under these obligations for States where they, by their acts and omissions, have caused significant harm to the climate system and Other parts of the environment, with respect to:
(i) States, including, in particular, small island developing States, which due to their geographical circumstances and level of development, are injured or specially affected by or are particularly vulnerable to the adverse effects of climate change?
(ii) Peoples and individuals of the present and future generations affected by the adverse effects of climate change?7


Os debates acima mencionados limitam-se a buscar um meio capaz de compelir diferentes nações a engajar na contenção, mitigação e superação do avanço das mudanças climáticas. Contudo, regramentos jurídicos criados para fins similares já se fazem presentes e têm se demonstrado insuficientes no que tange ao cumprimento de seus objetivos fim. É o que ocorre com a Convenção-Quadro Sobre as Mudanças Climáticas das Nações Unidas, o Protocolo de Kyoto e o Acordo de Paris.


Ao mesmo tempo, estudos científicos comprovam o constante e exponencial avanço das mudanças climáticas. De acordo com as previsões do IPCC, o aumento do nível do mar será inevitável por séculos a milênios devido ao contínuo aquecimento profundo dos oceanos e ao derretimento da camada de gelo resultantes das ações antropogênicas.8 Estima-se ainda que 20% da costa global sejam submersos devido ao aumento do nível do mar caso as emissões de gases de efeito estufa se mantenham ou aumentem.9


Por isso, urge a necessidade de respostas aos questionamentos relativos aos impactos do avanço do nível dos oceanos, partindo do pressuposto de que a contenção deste fenômeno é inverossímil. Em especial, busca-se de compreender a repercussão da perda de território geográfico diante da soberania destas nações.


Estudos sobre a temática têm se feito presentes há alguns anos10, contudo, até o presente momento o Direito Internacional não produziu uma resposta quanto o que acontecerá com a soberania de Estados que sejam completamente inundados, de modo a não possuírem mais território geográfico acima do nível do mar. Esta submersão resultaria em uma extinção automática dos Estados e de suas soberanias?11 Existiria alguma forma de preservar as soberanias? Transferir seus domínios para outros territórios?
 

REFERÊNCIAS 

1 BRAGA, PATRICIA BENEDITA APARECIDA; LANZA, FABIO. Tuvaluanos desassistidos globalmente em face da mudança climática: documentos oficiais, Direitos Humanos e o" não futuro"?. Ambiente & Sociedade, v. 19, 2016, p. 146.

2 BRAGA, PATRICIA BENEDITA APARECIDA; LANZA, FABIO. Tuvaluanos desassistidos globalmente em face da mudança climática: documentos oficiais, Direitos Humanos e o" não futuro"?. Ambiente & Sociedade, v. 19, 2016, p. 140.

3 MCADAM, J.; PRYKE, J. Climate change, disasters and mobility: A roadmap for Australian action (Policy Brief No. 10). Kaldor Centre for International Refugee Law. 2020, p. 8.

4 YAMAMOTO, Lilian; ESTEBAN, Miguel. Alternative Solutions to Preserve the Sovereignty of Atoll Island States. Atoll Island States and International Law: Climate Change Displacement and Sovereignty, 2014, p. 176.

5 YAMAMOTO, Lilian; ESTEBAN, Miguel. Alternative Solutions to Preserve the Sovereignty of Atoll Island States. Atoll Island States and International Law: Climate Change Displacement and Sovereignty, 2014, p. 176.

6 INTERNATIONAL TRIBUNAL FOR THE LAW OF THE SEA. Commission Of Small Island States on Climate Change And International Law. Request for Advisory Opinion. 2022. Disponível em: https://www.itlos.org/fileadmin/itlos/documents/cases/31/Request_for_Advisory_Opinion_COSIS_12.12.22.pdf. Acesso em: 04 jul. 2024.

7 UNITED NATIONS. Request for an advisory opinion of the International Court of Justice on the obligations of States in respect of climate change. 2023. Disponível em: https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/LTD/N23/063/82/PDF/N2306382.pdf?OpenElement. Acesso em: 05 jun. 2024.8 IPCC, 2023: Climate Change 2023: Synthesis Report. Contribution of Working Groups I, II and III to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Core Writing Team, H. Lee and J. Romero (eds.)]. IPCC, Geneva, Switzerland, 184 pp., doi: 10.59327/IPCC/AR6-9789291691647, p. 77.9 IPCC, 2023: Climate Change 2023: Synthesis Report. Contribution of Working Groups I, II and III to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Core Writing Team, H. Lee and J. Romero (eds.)]. IPCC, Geneva, Switzerland, 184 pp., doi: 10.59327/IPCC/AR6-9789291691647, p. 77. 10 MCADAM, Jane. ‘Disappearing states’, statelessness and the boundaries of international law. Statelessness and the Boundaries of International Law (January 21, 2010). UNSW Law Research Paper, n. 2010-2, 2010; WONG, Derek. Sovereignty sunk? The position of'sinking states' at international law. Melbourne Journal of International Law, v. 14, n. 2, p. 30-75, 2014; ANGELL, Kim. New territorial rights for sinking island states. European Journal of Political Theory, v. 20, n. 1, p. 95-115, 2021.

11 WONG, Derek. Sovereignty sunk? The position of'sinking states' at international law. Melbourne Journal of International Law, v. 14, n. 2, p. 30-75, 2014

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26
Junho 
2024

NOTAS SOBRE OS IMPACTOS DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS NO CONTINENTE AFRICANO


A ação antropogênica propicia danos imensuráveis ao meio ambiente, dando causa à eventos naturais catastróficos no cenário global, cujos efeitos produzem uma gama de malefícios à sociedade, sejam eles à própria exposição às catástrofes naturais ou no que tange ao aumento da vulnerabilidade de grupos marginalizados, à escassez de recursos naturais esgotáveis, aos possíveis danos à saúde e ao gozo de direitos fundamentais, como o meio ambiente ecologicamente equilibrado, e ao desenvolvimento e sobrevivência de diversas espécies de fauna e flora, o que afeta de forma crítica os modos de vida, bem como as condições existenciais das populações que se relacionam de alguma forma com este prisma.


Tamanha a importância da problemática que António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, declarou em julho de 2023 que o mundo experiencia hoje a era da ebulição:

Climate change is here. It is terrifying. And it is just the beginning. The era of global warming has ended; the era of global boiling has arrived. The air is unbreathable, the heat is unbearable (…). Leaders must lead. No more hesitancy. No more excuses. No more waiting for others to move first. There is simply no more time for that. It is still possible to limit global temperature rise to 1.5 degrees Celsius and avoid the very worst of climate change. But only with dramatic, immediate climate action.1

Sidney Guerra preceitua acerca da temática ao afirmar que as mudanças climáticas produzem resultados catastróficos, tais como cidades inteiras destruídas; Estados em situação de calamidade pública; grande número de refugiados; proliferação de doenças; falta de abastecimento de água e alimentos; transtornos de natureza econômica, política e social, com desdobramentos no sistema internacional.2


Nesse sentido, o presente texto objetiva analisar os impactos das mudanças climáticas no continente africano.
A região subsaariana, um dos locais considerados mais afetados pelas alterações climáticas, eventos extremos e nefastos têm acontecido com cada vez mais frequência, de modo a reduzir a produtividade agrícola, ameaçar a biodiversidade e ecossistemas locais, além de fomentar a escassez hídrica.3

Based on data provided in the Emergency Event Database (EM-DAT), in Africa, 80 meteorological, hydrological and climate-related hazards were reported in 2022; of these 56% were flood-related events. These natural hazard events resulted in around 5 000 fatalities, of which 48% were associated with drought and 43% were associated with flooding. Overall, more than 110 million people were directly affected by these disaster events, causing a total of over US$ 8.5 billion in economic damages. While drought was the leading cause of death and people affected, flooding was the leading cause of economic damages.4

Em pesquisa desenvolvida em 2008, o International Strategy for Disaster Reduction já apontava no relatório “Climate Change and Disaster Risk Reduction” a especial vulnerabilidade do continente africano no que tange aos nefastos efeitos das mudanças climáticas. De acordo com a previsão feita no relatório, a África seria impactada por múltiplos estresses climáticos, os quais não seriam adequadamente mitigados devido à baixa capacidade adaptativa em âmbito continental, decorrentes da pobreza endêmica, instituições fracas e seus conflitos associados.5


O relatório destaca de forma específicas os riscos associados às secas, haja vista a frequência deste fenômeno, relevante deste a década de 1970, época na qual as regiões do Sahel e da África Austral tornaram-se mais secas durante o século XX. Aborda ainda o problema relacionado ao abastecimento de água e a produção agrícola no continente africano, manifestando a previsão de que até a década de 2080 a área de terras áridas e semiáridas na África provavelmente aumentará em 5-8%.6


O início de 2024 marcou a região sul do continente pelo prolongado período de seca que resultou na queima de plantações, pondo em xeque a segurança alimentar de milhões de pessoas.

O Carbon Brief, instituição voltada à coalização de dados sobre desenvolvimentos em ciência climática, política climática e política energética, asseverou que apenas no ano de 2023, até o mês de outubro, aproximadamente 15.700 foram a óbito devido a eventos climáticos extremos, enquanto outras 34 milhões de pessoas foram afetadas. Exemplos destes eventos são ciclone tropical Freddy, ocorrido em fevereiro de 2023, e as inundações repentinas que assolaram Ruanda e a República Democrática do Congo em maio de 2023.


O primeiro evento foi responsável por gerar inundações e deslizamentos de terra que resultaram na morte de mais de 1.400 pessoas em Madagascar, Moçambique, Ilhas Maurício, Malawi, Reunião e Zimbábue, deixando Malawi especialmente devastado7,8. Como consequência, mais de 2.2 milhões de pessoas foram afetadas, 659 mil pessoas deslocadas, e mais de 200.000 hectares de terras agrícolas foram impactados e mais de 1,4 milhão de animais foram prejudicados, agravando a insegurança alimentar nas regiões afetadas.9


Tal problema permanece atual: inundações de proporções catastróficas permanecem atingindo o continente africano. Aproximadamente 600 mil crianças do Quênia, Etiópia e Somália já foram afetadas apenas entre os meses de janeiro a maio de 2024.10

The torrential rains, which come after years of drought and have been attributed to both human-induced climate change and the tail end of the naturally occurring El Niño weather pattern, have displaced over 420,000 people with at least 330 killed due to unusually heavy flooding in all three countries. This has left people facing an increasing risk of hunger and led to a spike in cases of waterborne diseases such as cholera which hit children hardest. Almost 27,000 cases of cholera have been recorded across Kenya, Somalia and Ethiopia this year, with almost 60% of cases in Somalia among children under five.11

Previsões de episódios correlatos são recorrentemente observadas, como destaca Ahmadalipour: “The combination of climate change, population growth, and the aggravation of socioeconomic vulnerabilities in many regions of Africa will intensify drought hazard, exposure, and vulnerability, respectively.”12.


A natureza dos referidos eventos climáticos e seus conseguintes efeitos expõe a necessidade urgente de uma gestão ambiental em matéria de mudanças climáticas voltada a cooperação internacional, mitigação e superação do catastrófico cenário experienciado na atualidade. Esta resposta deve superar as proposições já existentes em âmbito internacional, posto que el derecho internacional tradicional ha sido incapaz de tratar muchos de los temas relevantes que afectan el ambiente global y la fuerza de la globalización ha empezado a diluir las fronteras em vários campos del derecho.13

REFERÊNCIAS

1 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Hottest July ever signals ‘era of global boiling has arrived’ says UN chief. 2023. Disponível em: https://news.un.org/en/story/2023/07/1139162. Acesso em: 21 ago. 2023.

2 GUERRA, Sidney. Catástrofes naturais e a emergência do Direito Internacional das Catástrofes. Cadernos de Dereito Actual, n. 8, 2018, p. 338.

3 WORLD METEOROLOGICAL ORGANIZATION. State of the Climate in Africa 2022. Geneva: Chair, Publications Board, 2023. Disponível em: https://library.wmo.int/viewer/67761/download?file=1330_State-of-the-Climate-in-Africa-2022_en.pdf&type=pdf&navigator=1. Acesso em: 31 jun. 2024.

 

4 WORLD METEOROLOGICAL ORGANIZATION. State of the Climate in Africa 2022. Geneva: Chair, Publications Board, 2023. Disponível em: https://library.wmo.int/viewer/67761/download?file=1330_State-of-the-Climate-in-Africa-2022_en.pdf&type=pdf&navigator=1. Acesso em: 31 jun. 2024.

 

5 INTERNATIONAL STRATEGY FOR DISASTER REDUCTION. Climate Change and Disaster Risk Reduction. 2008. Disponível em: https://www.ipcc.ch/apps/njlite/srex/njlite_download.php?id=6184. Acesso em: 24 dez. 2023.

 

6 INTERNATIONAL STRATEGY FOR DISASTER REDUCTION. Climate Change and Disaster Risk Reduction. 2008. Disponível em: https://www.ipcc.ch/apps/njlite/srex/njlite_download.php?id=6184. Acesso em: 24 dez. 2023.

7 RELIEFWEB. Malawi Cholera & Floods Flash Appeal 2023 (Revised in March following Cyclone Freddy) (February - June 2023). 2023. The humanitarian information project of the United Nations Office for the Coordination of Humanitarian Affairs. Disponível em: https://reliefweb.int/report/malawi/malawi-cholera-floods-flash-appeal-2023-revised-march-following-cyclone-freddy-february-june-2023. Acesso em: 01 jun. 2024.


8 Tamanhos os danos ao Malawi que a COP28 discutirá formas de reparação. Desenvolver melhor: https://www.vox.com/climate/2023/12/12/23997274/cop28-malawi-climate-reparations-loss-and-damage

 

9 RELIEFWEB. Malawi Cholera & Floods Flash Appeal 2023 (Revised in March following Cyclone Freddy) (February - June 2023). 2023. The humanitarian information project of the United Nations Office for the Coordination of Humanitarian Affairs. Disponível em: https://reliefweb.int/report/malawi/malawi-cholera-floods-flash-appeal-2023-revised-march-following-cyclone-freddy-february-june-2023. Acesso em: 01 jun. 2024.

 

10 RELIEFWEB. Horn of Africa: 600K children affected by devastating floods as torrential rains threaten further havoc. 2024. The humanitarian information project of the United Nations Office for the Coordination of Humanitarian Affairs. Disponível em https://reliefweb.int/report/kenya/horn-africa-600k-children-affected-devastating-floods-torrential-rains-threaten-further-havoc. Acesso em: 01 jun. 2024.

 

11 RELIEFWEB. Horn of Africa: 600K children affected by devastating floods as torrential rains threaten further havoc. 2024. The humanitarian information project of the United Nations Office for the Coordination of Humanitarian Affairs. Disponível em https://reliefweb.int/report/kenya/horn-africa-600k-children-affected-devastating-floods-torrential-rains-threaten-further-havoc. Acesso em: 01 jun. 2024.

12 AHMADALIPOUR, Ali et al. Future drought risk in Africa: Integrating vulnerability, climate change, and population growth. Science of the Total Environment, v. 662, p. 672-686, 2019.


13 GORBAK, Erica E. La expansión del derecho ambiental global, p. 283. In: Ambiente Sustentable II. Obra colectiva del Biocentenario – Tomo I. HERRERA, Amancay (Coordinadora). Buenos Aires: Orientación Gráfica Editora, 2010.

Imagem disponível em: <https://guiadoestudante.abril.com.br/atualidades/africa-e-o-continente-mais-afetado-por-desastres-naturais#google_vignette>. Acesso 26 jun. 2024. 

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06
Março 
2024

 

A LITIGÂNCIA CLIMÁTICA NO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS E SUA INSUFICIÊNCIA ENQUANTO ESTRATÉGIA PARA RECHAÇAR O AVANÇO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Os regramentos internacionais que visam tutelar a temática ambiental abrangem desde a Conferência sobre a Biosfera em Paris à Conferência da ONU sobre o Desenvolvimento Sustentável, além de ordenamentos específicos concernentes às mudanças climáticas, como Convenção-Quadro Sobre as Mudanças Climáticas das Nações Unidas, o Protocolo de Kyoto e o Acordo de Paris.

Estes têm sido ineficientes na garantia de salvaguardar o meio ambiente por meio do fomento de práticas como o desenvolvimento sustentável. Isso fica evidente quando o planeta terra experencia episódios abruptos decorrentes das mudanças climáticas, tal como ciclones, tufões, queimadas, o aumento da temperatura média terrestre, o aumento do nível do mar, o degelo das calotas polares, dentre outros. Por esse motivo, verifica-se uma intensificação de litígios climáticos.

A litigância climática é definida por Délton Winter Carvalho como uma prática que visa “impulsionar ações de controle e diminuição da emissão antropogênica de gases de efeito estufa, e demais medidas de contenção às mudanças climáticas.” (CARVALHO; BARBOSA, 2019). Trata-se de uma “forma de governança, pois estimula alterações no comportamento das instituições públicas e privadas e na forma como as decisões são tomadas, mesmo que a ação não seja procedente.” (CARVALHO, 2016).

Graças ao avanço da tutela ambiental internacional, a litigância concernente às mudanças climáticas tem possibilitado que litigantes demandem em face de atores governamentais ou privados. Para tanto, o Acordo de Paris possui especial relevância, já que viabiliza a aferição, em um cenário internacional, das atuações de governos nacionais e de entidades privadas em matéria climática, permitindo observar se as práticas destas atendem a necessidades e compromissos estabelecidos a fim de rechaçar a degradação ambiental e as mudanças climáticas.

Ainda nesse contexto, bem assevera Carvalho e Barbosa (2019) que “os potenciais autores da demanda climática são os indivíduos, grupos de interesse público e governos, que buscam, com a propositura da ação, (i) a compensação pelos prejuízos que as mudanças climáticas causaram ou (ii) a maior prevenção ou redução do aquecimento global”. Via de regra, litígios climáticos estão  relacionados às questões materiais de  leis, aos fatos relativos à mitigação das mudanças climáticas e à adaptabilidade social em face das referidas modificações.

Segundo o Global Climate Litigation Report: 2020 Status Review, ocorreu um exponencial crescimento dos litígios climáticos. Em 2017, foram 884 casos diferentes. Em 2020, esse número passou para 1.550 casos em 38 países. Ainda de acordo com esse estudo, os litígios climáticos enquadram-se em seis diferentes categorias: (1) direitos climáticos; (2) litígios envolvendo entes doméstico; (3) descarte de combustíveis fósseis no solo; (4) responsabilidade civil e responsabilidade corporativa; (5) falha para adaptar e os impactos de mitigação; e (6) divulgações climáticas e greenwashing. O presente trabalho dedica-se apenas aos litígios climáticos no Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

No caso Inuit (Sheila Watt-Cloutier et. al. vs United States), um grupo de canadenses e norte-americanos peticionaram perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos sob a alegação de que grandes corporações petrolíferas estariam causando danos ao meio ambiente e, por conseguinte, sendo responsáveis por uma influência direta nas mudanças climáticas. O referido caso foi o primeiro litígio de mudança climática levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Na oportunidade, um grupo de canadenses e norte-americanos peticionaram perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos sob a alegação de que grandes corporações petrolíferas estariam causando danos ao meio ambiente e, por conseguinte, sendo responsáveis por uma influência direta nas mudanças climáticas. Alegou-se que os efeitos do aquecimento global no Ártico repercutiam em alterações nas condições de plantio, pois modificavam os padrões climáticos regionais. Ainda, a população Inuit declarava que a deterioração do gelo tornava viagens, colheitas e vida cotidiana mais difíceis, vez que a previsão e a localização do gelo fino e inseguro para trânsito eram incertas. Também declarava que rios outrora navegáveis se tornaram inóspitos para utilização para fins de transporte (FERIA-TINTA, 2021).

O avanço do aquecimento global no Ártico e o conseguinte degelo de determinadas regiões também resultaram na redução do habitat de animais silvestres, como ursos polares, alces e várias espécies de aves aquáticas, além de afetarem o estilo de vida Inuit.

Dentre outros argumentos, a demanda frisava que os Estados Unidos da América eram responsáveis por violar direitos fundamentais da população Inuit, tais quais: o direito à cultura, o direito à propriedade pessoal, o direito à preservação da saúde, o direito à vida, o direito à integridade física e segurança, o direito aos seus próprios meios de subsistência, dentre outros (IACHR, 2005).

 

Contudo, o processo foi julgado improcedente já que as informações da demanda não satisfaziam os requisitos estabelecidos no Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.1

Já em novembro de 2017, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), a partir de uma “interpretação evolutiva e sistêmica da Convenção Americana” (FERIA-TINTA, 2021), consagrou o direito ambiental enquanto parte integrante dos direitos humanos. Tal fato ocorreu com a emissão da Opinião Consultiva nº 23/172, em resposta à solicitação elaborada pela Colômbia em 14 de março de 2016, fundamentada no art. 26 da Convenção Americana de Direitos Humanos combinado com o art. 11 do Protocolo de São Salvador. A referida opinião elenca que as mudanças climáticas são amplamente responsáveis por interferir no gozo dos direitos humanos.

O pleito da nação colombiana era relativo às obrigações dos Estados quanto à proteção do meio ambiente e a garantia dos direitos à vida, à segurança e à integridade pessoal. O cerne da problemática dizia respeito ao iminente risco de que a construção e uso de novas grandes obras de infraestrutura afetassem negativamente o ambiente marinho na região do Grande Caribe e, por consequência, o habitat humano.

A Opinião Consultiva nº 23/17 foi responsável por inferir a existência de uma relação intrínseca e indissociável entre direitos humanos, meio ambiente e desenvolvimento sustentável, representando um significativo avanço jurisprudencial internacional nesse sentido.

 

Ainda no âmbito da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o caso Lhaka Honhat (Indigenous Communities of the Lhaka Honhat (Our Land) Association v. Argentina) merece especial destaque, por ser o primeiro caso em que a referida Corte Interamericana confirmou o direito a um meio ambiente saudável em um litígio contencioso (FERIA-TINTA, 2021).

 

Em 1998, a Associação das Comunidades Indígenas Lhaka Honhat apresentou uma petição perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos acerca da violação das obrigações da Argentina em seu dever de respeitar, proteger e adotar medidas para garantir efetivamente o gozo do direito da associação à delimitação, demarcação e título de terras ancestrais (CIDH, 2021). A petição foi baseada na construção de obras públicas e na exploração de hidrocarbonetos em territórios indígenas tradicionais, sem consentimento livre, prévio e informado da população diretamente afetada, o que viabilizou outras ações ilegais de particulares, como a criação de gado, a instalação de cercas e a extração ilegal de madeira.

O caso em questão foi submetido à apreciação da Corte em 1º de fevereiro de 2018 (Corte IDH, 2020). Em sua decisão, a Corte Interamericana de Direitos Humanos destacou que o Estado argentino não admitiu danos ambientais causados à população de Salta (Corte IDH, 2020). Entendeu que a Argentina possuía um entendimento restritivo ou limitado dos direitos em causa, de modo a desconsiderar a interdependência de tais direitos e as particularidades dos fatos em relação aos povos indígenas. Declarou ainda que existiu efetivamente um impacto significativo ao estilo de vida das comunidades indígenas no que diz respeito às suas terras, haja vista os danos causados ao meio ambiente, bem como ao acesso tradicional à alimentos e à água.

Em que pese a tramitação dos referidos litígios, a atenção global voltada à problemática das mudanças climáticas, até mesmo as sentenças positivas à salvaguarda e preservação do meio ambiente e os regramentos jurídicos internacionais têm se demonstrado insuficientes no que tange à efetiva garantia de preservação ao meio ambiente e à mitigação das mudanças climáticas. O próprio sistema interamericano, que avançou significativamente após a Opinião Consultiva nº 23/17, mostrou-se lento na construção de uma jurisprudência internacional firme e por se tratar de um sistema regional, ainda se demonstra ineficiente no tratamento de um problema global, tal qual as mudanças climáticas, as quais requerem respostas urgentes à nível mundial.

REFERÊNCIAS

 

CARVALHO, Délton Winter de. Uma incursão sobre a litigância climática: entre mudança climática e responsabilidade civil. Diálogo Ambiental, Constitucional e Internacional, v. 6, 2016.

CARVALHO, Délton Winter; BARBOSA, Kelly de Souza. Litigância climática como estratégia jurisdicional ao aquecimento global antropogênico e mudanças climáticas. Revista de Direito Internacional, v. 16, n. 2, 2019.

 

CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Caso Comunidades Indígenas Miembros De La Asociación Lhaka Honhat (Nuestra Tierra) Vs. Argentina, Sentencia de 6 De Febrero de 2020 (Fondo, Reparaciones y Costas). Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_400_esp.pdf. _esp.pdf. Acesso em: 20 out. 2022.

FERIA-TINTA, Monica. Climate Change as a Human Rights Issue: Litigating Climate Change in the Inter-American System of Human Rights and the United Nations Human Rights Committee. In: Climate Change Litigation: Global Perspectives. Brill Nijhoff, 2021.

IACHR, Sheila Watt-Cloutier et al. v. USA, Petition rejected on 7 December 2005. Disponível em: http://climatecasechart.com/climate-change-litigation/wp-content/uploads/sites/16/non- us-case-documents/2005/20051208_na_petition.pdf. Acesso em: 25 de nov. 2022.

UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME (2020). Global Climate Litigation Report:               2020              Status               Review.            Nairobi.                        Disponível  em: https://wedocs.unep.org/bitstream/handle/20.500.11822/34818/GCLR.pdf?sequence=1&isAll owed=y. Acesso em: 04.03.2024.

[1 ]“Concluído o estudo previsto no artigo 26.º do Regulamento da Comissão, gostaria de vos informar que a Comissão, em plenário, determinou que não será possível tratar a vossa petição no presente processo, uma vez que as informações nela contidas não satisfazem os requisitos estabelecidos no referido Regulamento e nos outros instrumentos aplicáveis. Especificamente, as informações fornecidas não nos permitem determinar se os fatos alegados tenderiam a caracterizar uma violação de direitos protegidos pela Declaração Americana.” Inter- American Commission on Human Rights, Letter dated 16 November 2006. Disponível em: https://graphics8.nytimes.com/packages/pdf/science/16commissionletter.pdf. Acesso em: 25 de novembro de 2022, p. 1.

[2] The Environment and Human Rights (State Obligations in Relation to The Environment in the Context of the Protection and Guarantee of the Rights to Life and to Personal Integrity: Interpretation and Scope Of Articles 4(1) and 5(1) in Relation to Articles 1(1) and 2 of the American Convention on Human Rights), Advisory Opinion OC- 23/17, Inter-Am. Ct. H.R. (Nov. 15, 2017).

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