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Lays Serpa de Souza de Oliveira e Silva

Mestranda em Direito pela Faculdade Nacional de Direito (UFRJ). Bacharel em Direito pela Faculdade Nacional de Direito (UFRJ). Foi bolsista do Programa Institucional de Fomento Único de Ações de Extensão (PROFAEX/2021) e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro - FAPERJ. Foi monitora de Direito Internacional Público II na Faculdade Nacional de Direito (UFRJ). É pesquisadora do Grupo de Pesquisa de Direito Internacional da UFRJ e do Laboratório de Estudos e Pesquisa Avançadas em Direito Internacional e Ambiental. Atuou como pesquisadora da "Cátedra OEA" na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP.

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06
Março 
2024

 

A LITIGÂNCIA CLIMÁTICA NO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS E SUA INSUFICIÊNCIA ENQUANTO ESTRATÉGIA PARA RECHAÇAR O AVANÇO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Os regramentos internacionais que visam tutelar a temática ambiental abrangem desde a Conferência sobre a Biosfera em Paris à Conferência da ONU sobre o Desenvolvimento Sustentável, além de ordenamentos específicos concernentes às mudanças climáticas, como Convenção-Quadro Sobre as Mudanças Climáticas das Nações Unidas, o Protocolo de Kyoto e o Acordo de Paris.

Estes têm sido ineficientes na garantia de salvaguardar o meio ambiente por meio do fomento de práticas como o desenvolvimento sustentável. Isso fica evidente quando o planeta terra experencia episódios abruptos decorrentes das mudanças climáticas, tal como ciclones, tufões, queimadas, o aumento da temperatura média terrestre, o aumento do nível do mar, o degelo das calotas polares, dentre outros. Por esse motivo, verifica-se uma intensificação de litígios climáticos.

A litigância climática é definida por Délton Winter Carvalho como uma prática que visa “impulsionar ações de controle e diminuição da emissão antropogênica de gases de efeito estufa, e demais medidas de contenção às mudanças climáticas.” (CARVALHO; BARBOSA, 2019). Trata-se de uma “forma de governança, pois estimula alterações no comportamento das instituições públicas e privadas e na forma como as decisões são tomadas, mesmo que a ação não seja procedente.” (CARVALHO, 2016).

Graças ao avanço da tutela ambiental internacional, a litigância concernente às mudanças climáticas tem possibilitado que litigantes demandem em face de atores governamentais ou privados. Para tanto, o Acordo de Paris possui especial relevância, já que viabiliza a aferição, em um cenário internacional, das atuações de governos nacionais e de entidades privadas em matéria climática, permitindo observar se as práticas destas atendem a necessidades e compromissos estabelecidos a fim de rechaçar a degradação ambiental e as mudanças climáticas.

Ainda nesse contexto, bem assevera Carvalho e Barbosa (2019) que “os potenciais autores da demanda climática são os indivíduos, grupos de interesse público e governos, que buscam, com a propositura da ação, (i) a compensação pelos prejuízos que as mudanças climáticas causaram ou (ii) a maior prevenção ou redução do aquecimento global”. Via de regra, litígios climáticos estão  relacionados às questões materiais de  leis, aos fatos relativos à mitigação das mudanças climáticas e à adaptabilidade social em face das referidas modificações.

Segundo o Global Climate Litigation Report: 2020 Status Review, ocorreu um exponencial crescimento dos litígios climáticos. Em 2017, foram 884 casos diferentes. Em 2020, esse número passou para 1.550 casos em 38 países. Ainda de acordo com esse estudo, os litígios climáticos enquadram-se em seis diferentes categorias: (1) direitos climáticos; (2) litígios envolvendo entes doméstico; (3) descarte de combustíveis fósseis no solo; (4) responsabilidade civil e responsabilidade corporativa; (5) falha para adaptar e os impactos de mitigação; e (6) divulgações climáticas e greenwashing. O presente trabalho dedica-se apenas aos litígios climáticos no Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

No caso Inuit (Sheila Watt-Cloutier et. al. vs United States), um grupo de canadenses e norte-americanos peticionaram perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos sob a alegação de que grandes corporações petrolíferas estariam causando danos ao meio ambiente e, por conseguinte, sendo responsáveis por uma influência direta nas mudanças climáticas. O referido caso foi o primeiro litígio de mudança climática levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Na oportunidade, um grupo de canadenses e norte-americanos peticionaram perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos sob a alegação de que grandes corporações petrolíferas estariam causando danos ao meio ambiente e, por conseguinte, sendo responsáveis por uma influência direta nas mudanças climáticas. Alegou-se que os efeitos do aquecimento global no Ártico repercutiam em alterações nas condições de plantio, pois modificavam os padrões climáticos regionais. Ainda, a população Inuit declarava que a deterioração do gelo tornava viagens, colheitas e vida cotidiana mais difíceis, vez que a previsão e a localização do gelo fino e inseguro para trânsito eram incertas. Também declarava que rios outrora navegáveis se tornaram inóspitos para utilização para fins de transporte (FERIA-TINTA, 2021).

O avanço do aquecimento global no Ártico e o conseguinte degelo de determinadas regiões também resultaram na redução do habitat de animais silvestres, como ursos polares, alces e várias espécies de aves aquáticas, além de afetarem o estilo de vida Inuit.

Dentre outros argumentos, a demanda frisava que os Estados Unidos da América eram responsáveis por violar direitos fundamentais da população Inuit, tais quais: o direito à cultura, o direito à propriedade pessoal, o direito à preservação da saúde, o direito à vida, o direito à integridade física e segurança, o direito aos seus próprios meios de subsistência, dentre outros (IACHR, 2005).

 

Contudo, o processo foi julgado improcedente já que as informações da demanda não satisfaziam os requisitos estabelecidos no Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.1

Já em novembro de 2017, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), a partir de uma “interpretação evolutiva e sistêmica da Convenção Americana” (FERIA-TINTA, 2021), consagrou o direito ambiental enquanto parte integrante dos direitos humanos. Tal fato ocorreu com a emissão da Opinião Consultiva nº 23/172, em resposta à solicitação elaborada pela Colômbia em 14 de março de 2016, fundamentada no art. 26 da Convenção Americana de Direitos Humanos combinado com o art. 11 do Protocolo de São Salvador. A referida opinião elenca que as mudanças climáticas são amplamente responsáveis por interferir no gozo dos direitos humanos.

O pleito da nação colombiana era relativo às obrigações dos Estados quanto à proteção do meio ambiente e a garantia dos direitos à vida, à segurança e à integridade pessoal. O cerne da problemática dizia respeito ao iminente risco de que a construção e uso de novas grandes obras de infraestrutura afetassem negativamente o ambiente marinho na região do Grande Caribe e, por consequência, o habitat humano.

A Opinião Consultiva nº 23/17 foi responsável por inferir a existência de uma relação intrínseca e indissociável entre direitos humanos, meio ambiente e desenvolvimento sustentável, representando um significativo avanço jurisprudencial internacional nesse sentido.

 

Ainda no âmbito da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o caso Lhaka Honhat (Indigenous Communities of the Lhaka Honhat (Our Land) Association v. Argentina) merece especial destaque, por ser o primeiro caso em que a referida Corte Interamericana confirmou o direito a um meio ambiente saudável em um litígio contencioso (FERIA-TINTA, 2021).

 

Em 1998, a Associação das Comunidades Indígenas Lhaka Honhat apresentou uma petição perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos acerca da violação das obrigações da Argentina em seu dever de respeitar, proteger e adotar medidas para garantir efetivamente o gozo do direito da associação à delimitação, demarcação e título de terras ancestrais (CIDH, 2021). A petição foi baseada na construção de obras públicas e na exploração de hidrocarbonetos em territórios indígenas tradicionais, sem consentimento livre, prévio e informado da população diretamente afetada, o que viabilizou outras ações ilegais de particulares, como a criação de gado, a instalação de cercas e a extração ilegal de madeira.

O caso em questão foi submetido à apreciação da Corte em 1º de fevereiro de 2018 (Corte IDH, 2020). Em sua decisão, a Corte Interamericana de Direitos Humanos destacou que o Estado argentino não admitiu danos ambientais causados à população de Salta (Corte IDH, 2020). Entendeu que a Argentina possuía um entendimento restritivo ou limitado dos direitos em causa, de modo a desconsiderar a interdependência de tais direitos e as particularidades dos fatos em relação aos povos indígenas. Declarou ainda que existiu efetivamente um impacto significativo ao estilo de vida das comunidades indígenas no que diz respeito às suas terras, haja vista os danos causados ao meio ambiente, bem como ao acesso tradicional à alimentos e à água.

Em que pese a tramitação dos referidos litígios, a atenção global voltada à problemática das mudanças climáticas, até mesmo as sentenças positivas à salvaguarda e preservação do meio ambiente e os regramentos jurídicos internacionais têm se demonstrado insuficientes no que tange à efetiva garantia de preservação ao meio ambiente e à mitigação das mudanças climáticas. O próprio sistema interamericano, que avançou significativamente após a Opinião Consultiva nº 23/17, mostrou-se lento na construção de uma jurisprudência internacional firme e por se tratar de um sistema regional, ainda se demonstra ineficiente no tratamento de um problema global, tal qual as mudanças climáticas, as quais requerem respostas urgentes à nível mundial.

REFERÊNCIAS

 

CARVALHO, Délton Winter de. Uma incursão sobre a litigância climática: entre mudança climática e responsabilidade civil. Diálogo Ambiental, Constitucional e Internacional, v. 6, 2016.

CARVALHO, Délton Winter; BARBOSA, Kelly de Souza. Litigância climática como estratégia jurisdicional ao aquecimento global antropogênico e mudanças climáticas. Revista de Direito Internacional, v. 16, n. 2, 2019.

 

CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Caso Comunidades Indígenas Miembros De La Asociación Lhaka Honhat (Nuestra Tierra) Vs. Argentina, Sentencia de 6 De Febrero de 2020 (Fondo, Reparaciones y Costas). Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_400_esp.pdf. _esp.pdf. Acesso em: 20 out. 2022.

FERIA-TINTA, Monica. Climate Change as a Human Rights Issue: Litigating Climate Change in the Inter-American System of Human Rights and the United Nations Human Rights Committee. In: Climate Change Litigation: Global Perspectives. Brill Nijhoff, 2021.

IACHR, Sheila Watt-Cloutier et al. v. USA, Petition rejected on 7 December 2005. Disponível em: http://climatecasechart.com/climate-change-litigation/wp-content/uploads/sites/16/non- us-case-documents/2005/20051208_na_petition.pdf. Acesso em: 25 de nov. 2022.

UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME (2020). Global Climate Litigation Report:               2020              Status               Review.            Nairobi.                        Disponível  em: https://wedocs.unep.org/bitstream/handle/20.500.11822/34818/GCLR.pdf?sequence=1&isAll owed=y. Acesso em: 04.03.2024.

[1 ]“Concluído o estudo previsto no artigo 26.º do Regulamento da Comissão, gostaria de vos informar que a Comissão, em plenário, determinou que não será possível tratar a vossa petição no presente processo, uma vez que as informações nela contidas não satisfazem os requisitos estabelecidos no referido Regulamento e nos outros instrumentos aplicáveis. Especificamente, as informações fornecidas não nos permitem determinar se os fatos alegados tenderiam a caracterizar uma violação de direitos protegidos pela Declaração Americana.” Inter- American Commission on Human Rights, Letter dated 16 November 2006. Disponível em: https://graphics8.nytimes.com/packages/pdf/science/16commissionletter.pdf. Acesso em: 25 de novembro de 2022, p. 1.

[2] The Environment and Human Rights (State Obligations in Relation to The Environment in the Context of the Protection and Guarantee of the Rights to Life and to Personal Integrity: Interpretation and Scope Of Articles 4(1) and 5(1) in Relation to Articles 1(1) and 2 of the American Convention on Human Rights), Advisory Opinion OC- 23/17, Inter-Am. Ct. H.R. (Nov. 15, 2017).

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