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Márcio Luís da Silva Carneiro

Mestre em Estudos Marítimos na Escola de Guerra Naval (EGN). Possui graduação em Direito pela Universidade do Grande Rio (UNIGRANRIO). Aprovado no XIV Exame de Ordem. Pós-Graduado em Direito Público e em Direito Militar, ambos pela Universidade Cândido Mendes (UCAM), Pesquisador em Direito Internacional Ambiental no Laboratório de Pesquisas Avançadas em Direito Internacional e Ambiental da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ (LEPADIA/FND/UFRJ), Pesquisador no Núcleo de Pesquisas em Disputas Marítimas da EGN (NUPEDIM), Membro da Câmara Técnica de Direito do Comitê Executivo para a Formação de Recursos Humanos em Ciências do Mar (PPG-Mar), Assistente de Conteúdo da Revista da EGN e atualmente é Assessor de Comunicação Social do IBDMar (Instituto Brasileiro de Direito do Mar), Professor convidado da Maritime Law Academy (MLAW) e Coordenador da Pós Graduação em Direito Marítimo da Verbo Jurídico.
 

ondas

28
Agosto 
2024

A Elevação do Oceano Pacífico como cenário catastrófico

O Oceano Pacífico, o maior e mais profundo dos oceanos da Terra, tem desempenhado um papel crucial na regulação do clima global e na manutenção da biodiversidade marinha. No entanto, as mudanças climáticas induzidas pelo homem estão causando um aumento alarmante no nível do mar, o que pode desencadear uma série de catástrofes naturais. Essa elevação representa não apenas uma ameaça ambiental, mas também um potencial ponto de ruptura para a humanidade. Guerra[1] argumenta que a elevação do Oceano Pacífico pode ser vista como uma das mais graves catástrofes globais, devido ao seu impacto direto em milhões de pessoas, especialmente aquelas vivendo em regiões costeiras.

A Organização das Nações Unidas (ONU) e o Fórum Econômico Mundial (FEM) também destacam que a elevação do nível do mar representa uma ameaça significativa para milhões de pessoas, especialmente em regiões costeiras. O aumento do nível do mar pode causar inundação permanente de terras, danos a infraestruturas, e a perda de recursos vitais como água doce[2].

Muito se discorre a respeito deste tema, porém em sua grande maioria observa-se apenas uma enxurrada de informações retiradas de grandes fóruns. Por outro lado, diversas são as pesquisas conceituais que mostram, além disso, as causas e as consequências deste fenômeno. Mas uma pergunta que ainda merece uma resposta é como combater ou diminuir as causas e os efeitos da elevação do nível do mar.

Uma resposta que parece prosperar é a aplicação das normas de Direito Internacional que podem desempenhar um papel crucial no combate à elevação do nível do mar. Especialmente por meio de uma combinação de tratados, acordos multilaterais, e normas consuetudinárias. Mas é importante que o operador do Direito Internacional saiba utilizar essas ferramentas de forma adequada em prol da comunidade internacional e não pensando em si mesmo como Estado.

Por exemplo, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM) estabelece regras para a delimitação de zonas marítimas, incluindo o mar territorial, a zona econômica exclusiva (ZEE), e a plataforma continental. À medida que o nível do mar sobe, essas delimitações podem mudar[3], levando a disputas territoriais. O Direito Internacional do Mar pode ajudar a resolver essas disputas, promovendo revisões nas delimitações marítimas que levem em conta as mudanças geográficas causadas pela elevação do nível do mar.

Tratados como o Acordo de Paris de 2015[4] são essenciais para combater as causas subjacentes da elevação do nível do mar. Ao estabelecer metas para a redução das emissões de gases de efeito estufa, esses acordos buscam limitar o aquecimento global, que é um dos principais fatores que contribuem para o derretimento das calotas polares e a expansão térmica dos oceanos. A cooperação internacional através desses acordos é fundamental para mitigar os impactos futuros da elevação do nível do mar.

O Direito Internacional dos Direitos Humanos também pode ser mobilizado para proteger as populações vulneráveis, como as comunidades costeiras e as nações insulares que enfrentam o risco de desaparecer devido à elevação do nível do mar. Instrumentos como a Convenção de Genebra e a Declaração Universal dos Direitos Humanos podem ser invocados para garantir que essas populações tenham acesso a reparações e suporte internacional.

A Corte Internacional de Justiça (CIJ) e outros mecanismos de resolução de disputas da ONU podem ser utilizados para resolver conflitos entre Estados relacionados à elevação do nível do mar. Disputas sobre fronteiras marítimas, acesso a recursos, ou responsabilidades por danos ambientais podem ser levadas a esses tribunais para uma solução pacífica e conforme o Direito Internacional.

O Direito Internacional pode facilitar a criação de mecanismos financeiros, como o Fundo Verde para o Clima[5], que ajuda países em desenvolvimento a se adaptarem aos impactos da elevação do nível do mar. Esses fundos podem ser usados para construir infraestruturas resilientes, proteger ecossistemas costeiros, e promover a migração ordenada de populações em risco.

Finalmente, o princípio da responsabilidade internacional pode ser aplicado para exigir que os Estados responsáveis por grandes emissões de gases de efeito estufa assumam a responsabilidade pelos danos causados pela elevação do nível do mar. Isso poderia incluir a compensação a países mais afetados e o financiamento de medidas de adaptação​.

Vale citar o emergente Direito Internacional das Catástrofes, como ferramenta importante para o combate e a mitigação dos efeitos das catástrofes, incluindo a elevação do nível do mar quando se propõe a criar regulamentação suficiente para prevenir, minimizar e superar catástrofes globais (Guerra, 2024)[6].

O Direito Internacional oferece um conjunto robusto de ferramentas para combater a elevação do nível do mar, desde a prevenção e mitigação até a adaptação e resolução de conflitos. A eficácia dessas medidas, no entanto, depende da cooperação global e do comprometimento dos Estados em cumprir suas obrigações internacionais.

REFERÊNCIAS

1 GUERRA, Sidney. As mudanças climáticas como catástrofe global e o refugiado ambiental. Rei-revista estudos institucionais, v. 7, n. 2, p. 537-559, 2021.

2 SEA LEVEL RISE: EVERYTHING YOU NEED TO KNOW. Disponível em https://www.weforum.org/agenda/2024/07/rising-sea-levels-global-threat/. Acesso em 27. Ago. 2024.

 

3 CLIMATE CHANGE-INDUCED SEA-LEVEL RISE DIRECT THREAT TO MILLIONS AROUND WORLD, SECRETARY-GENERAL TELLS SECURITY COUNCIL. Disponível em: https://press.un.org/en/2023/sc15199.doc.htm. Acesso em 26. Ago. 2024.

 

4 ADOPTION OF THE PARIS AGREEMENT. Disponível em https://unfccc.int/sites/default/files/resource/docs/2015/cop21/eng/l09r01.pdf. Acesso em 28. Ago. 2024.

 

5 FUNDO VERDE PARA O CLIMA. https://www.unep.org/pt-br/sobre-o-pnuma/financiamento-e-parcerias/parceiros-de-financiamento/fundo-verde-para-o-clima. Acesso em 28. Ago. 2024.

 

6 GUERRA, Sidney. A pobreza como um dos efeitos em cenários de catástrofes econômicas: a crise de 1929 na perspectiva do Direito internacional das catástrofes. Revista Interdisciplinar do Direito-Faculdade de Direito de Valença, v. 22, n. 1, p. e20242210-e20242210, 2024.

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[1] GUERRA, Sidney. As mudanças climáticas como catástrofe global e o refugiado ambiental. Rei-revista estudos institucionais, v. 7, n. 2, p. 547, 2021.

[2] SEA LEVEL RISE: EVERYTHING YOU NEED TO KNOW. Disponível em https://www.weforum.org/agenda/2024/07/rising-sea-levels-global-threat/. Acesso em 27. Ago. 2024.

[3] CLIMATE CHANGE-INDUCED SEA-LEVEL RISE DIRECT THREAT TO MILLIONS AROUND WORLD, SECRETARY-GENERAL TELLS SECURITY COUNCIL. Disponível em: https://press.un.org/en/2023/sc15199.doc.htm. Acesso em 26. Ago. 2024.

[4] ADOPTION OF THE PARIS AGREEMENT. Disponível em https://unfccc.int/sites/default/files/resource/docs/2015/cop21/eng/l09r01.pdf. Acesso em 28. Ago. 2024.

[5] FUNDO VERDE PARA O CLIMA. https://www.unep.org/pt-br/sobre-o-pnuma/financiamento-e-parcerias/parceiros-de-financiamento/fundo-verde-para-o-clima. Acesso em 28. Ago. 2024.

[6] GUERRA, Sidney. A pobreza como um dos efeitos em cenários de catástrofes econômicas: a crise de 1929 na perspectiva do Direito internacional das catástrofes. Revista Interdisciplinar do Direito-Faculdade de Direito de Valença, v. 22, n. 1, p. e20242210-e20242210, 2024.

07 

Fevereiro 

2024

O Direito do mar e as mudanças climáticas: uma pequena revisão sobre os conflitos jurídicos provenientes da elevação do nível do mar

O direito do mar é uma parte importante do direito internacional público que regula as relações entre os Estados e os indivíduos em relação aos oceanos e seus recursos.

O conceito de direito do mar de Tiago Zanella parte da ideia de que esse direito é um sistema normativo complexo e dinâmico, que envolve aspectos históricos, políticos, econômicos, ambientais e humanitários. Ele defende que o direito do mar deve ser compreendido como um instrumento de cooperação e coordenação entre os sujeitos internacionais, visando a promoção da paz, da segurança, do desenvolvimento sustentável e da proteção dos direitos humanos no âmbito marítimo1.

 

Ainda segundo ele, o direito do mar é baseado na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), que é um tratado multilateral que define e codifica conceitos e princípios referentes a assuntos marítimos, como mar territorial, zona econômica exclusiva, plataforma continental e outros. Ele também analisa as fontes complementares do direito do mar, como o costume internacional, os tratados bilaterais e regionais, as decisões judiciais e arbitrais, a doutrina e a jurisprudência2.

Já as mudanças climáticas são um fenômeno global que afeta o clima, o meio ambiente e a vida na Terra. Uma das consequências das mudanças climáticas é a elevação do nível do mar, que pode causar impactos negativos nas zonas costeiras, nas ilhas, na biodiversidade marinha, na segurança alimentar, na navegação e na delimitação das fronteiras marítimas.

Por se tratar de um tema complexo, não há um conceito de mudanças climáticas definitivo. Seu caráter multidisciplinar o torna controverso. No entanto, existem alguns autores que se destacam por suas contribuições teóricas, empíricas e políticas para o debate sobre o tema, quais sejam:

Anthony Giddens, sociólogo britânico, que propõe uma abordagem pragmática e construtiva para enfrentar os desafios climáticos, baseada na ideia de uma “política da vida” que envolve a participação de todos os atores sociais3 e 4.

Naomi Oreskes e Erik M. Conway, historiadores da ciência norte-americanos, revelam como alguns cientistas e grupos de interesse tentam semear a dúvidas e desinformação sobre a realidade e a gravidade das mudanças climáticas, usando estratégias similares às empregadas pela indústria do tabaco5.

Ulrich Beck, sociólogo alemão que analisa as mudanças climáticas como uma expressão da “sociedade do risco”, na qual os perigos globais são produzidos e amplificados pela própria modernização, gerando novas formas de conflito, solidariedade e responsabilidade6.

Em relação a Ulrich Beck, uma de suas obras que fala das mudanças climáticas como expressão da sociedade do risco é “A metamorfose do mundo”, publicado em 2016. Nesse livro, Beck desenvolve o conceito de metamorfose para descrever as transformações profundas e irreversíveis que a humanidade enfrenta diante dos riscos globais, como as mudanças climáticas, as crises financeiras, o terrorismo e a migração. Segundo Beck, a metamorfose é diferente da mudança, pois implica uma alteração da forma e da substância, sem que haja um plano ou um controle prévio. A metamorfose é também um processo ambivalente, que pode gerar tanto oportunidades como ameaças, dependendo da forma como os atores sociais se posicionam e se mobilizam6.

Já na sua obra, intitulada “A sociedade do risco mundial: uma nova cosmopolítica”, Beck discute como as mudanças climáticas representam um desafio para a política tradicional, baseada na soberania nacional e na representação democrática. Ele argumenta que as mudanças climáticas são um risco cosmopolita, que afeta a todos os seres humanos, independentemente de sua localização ou identidade. Por isso, ele propõe uma nova cosmopolítica, que reconheça a interdependência e a responsabilidade global, e que promova a participação e a deliberação de todos os afetados pelos riscos. Ele defende que a sociedade civil global tem um papel fundamental nessa cosmopolítica, pois pode pressionar os governos e as empresas a adotarem medidas eficazes para mitigar e adaptar-se às mudanças climáticas7.

Os conflitos jurídicos provenientes da elevação do nível do mar são um tema muito relevante e atual, que envolve questões de direito internacional, ambiental, territorial e humano.

A elevação do nível do mar é uma das consequências das mudanças climáticas, que afetam o equilíbrio térmico e hídrico do planeta, causando o derretimento das geleiras e a expansão da água dos oceanos. Essa elevação pode trazer diversos impactos negativos para as populações e os ecossistemas costeiros, como inundações, erosão, salinização, perda de biodiversidade, deslocamento forçado e disputas por recursos e territórios.

Alguns autores abordam esse tema sob as mais diferentes perspectivas e propõem soluções jurídicas para os problemas decorrentes da elevação do nível do mar.

Fernando Loureiro Bastos discute alguns dos desafios e dilemas que o direito internacional enfrenta diante da ameaça da subida do nível do mar, como o desaparecimento de ilhas, a alteração das fronteiras marítimas, a proteção das populações afetadas e a responsabilização dos agentes poluidores8.

Luiz Marques  apresenta um panorama dos efeitos da elevação do nível do mar nas zonas costeiras, como inundações recorrentes da infraestrutura urbana, salinização dos deltas, intrusão marinha nos aquíferos, destruição de ecossistemas costeiros e vulnerabilização das usinas nucleares9.

Ângela Molin analisa os aspectos jurídicos e ambientais envolvidos na adaptação à elevação do nível do mar nas zonas costeiras brasileiras, com foco no direito de propriedade e na proteção dos direitos humanos10.

Diante desta pequena revisão bibliográfica observa-se um longo caminho a seguir, porém com a consciência de que a detecção destes conflitos já é um grande avanço para o Direito do Mar.

REFERÊNCIAS 

 

1. ZANELLA, Tiago V. Direito do Mar. Juruá, 2015, p. 30.

2. Idem.

 

3. GIDDENS, Anthony. A política da mudança climática. Zahar, 2010.

 

4. RAIZER, Leandro. Anthony Giddens e as políticas da mudança climática. (2011): 364-369.

5. ORESKES, Naomi e Erik M.Conway. Merchants of Doubt, Bloomsbury. Press: 2010.

 

6. BECK, Ulrich. A metamorfose do mundo: novos conceitos para uma nova realidade. Editora Schwarcz-Companhia das Letras, 2018.

 

7. ___________ et al. Sociedade de risco. São Paulo: Editora, v. 34, p. 49-53, 2010.

 

8. BASTOS, Fernando Loureiro. As (ainda) incertezas jurídicas da subida do nível do mar. Público. Disponível em: https://www.publico.pt/2023/06/25/azul/opiniao/incertezas-juridicas-subida-nivel-mar-2053162. Acesso em 15 de julho de 2023.

 

9. MARQUES, Luiz. Consequências da elevação do nível do mar no século XXI. Jornal da UNICAMP. Disponível em: https://www.unicamp.br/unicamp/ju/artigos/luiz-marques/consequencias-da-elevacao-do-nivel-do-mar-no-seculo-xxi. Acesso em 18 de julho de 2023.

 

10. MOLIN, Ângela. Adaptação à elevação do nível do mar, pelas mudanças climáticas, nas propriedades privadas na zona costeira brasileira: a possibilidade de aplicação da transferência do direito de construir. 2020. Disponível em: http://www.repositorio.jesuita.org.br/handle/UNISINOS/9477. Acesso em 25 de julho de 2023.

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29
Maio 
2024

ITLOS – CASE 31: PARECER CONSULTIVO OU DECISÃO VINCULANTE?

 

No dia 12 de dezembro de 2022, a Comissão dos Pequenos Estados Insulares sobre Mudanças Climáticas e Direito Internacional solicitou ao Tribunal Internacional do Direito do Mar um parecer consultivo sobre as obrigações específicas dos Estados Partes na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS) a respeito das Mudanças Climáticas.

O pedido foi baseado em dois questionamentos. O primeiro, chamado de “Questão (a)”, versa sobre quais seriam as obrigações dos Estados na prevenção, redução e controle da poluição do ambiente marinho em relação aos efeitos nocivos que resultam ou possam resultar das alterações climáticas, nomeadamente através do aquecimento e acidificação dos oceanos e da elevação do nível do mar, que são causados por efeitos antropogênicos oriundos das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) na atmosfera.

O segundo, chamado “questão (b)”, foi a respeito das obrigações dos Estados Partes em proteger e preservar o ambiente marinho em relação aos impactos das alterações climáticas, incluindo o aquecimento dos oceanos e a elevação do nível do mar, e a acidificação dos oceanos.

Nota-se que no primeiro caso, o centro do pedido é a prevenção, a redução e o controle da poluição do ambiente marinho. No seguinte, o objeto é a proteção e preservação desse ambiente.

Entre 2022 e 2024 diversas reuniões ocorreram e muitas decisões foram tomadas culminando, em 21 de maio de 2024, num extenso relatório com as respostas a estas demandas.

Em resumo, as respostas à pergunta (a) trazem no seu contexto, a ideia de que as emissões antropogênicas de GEE para a atmosfera constituem poluição do ambiente marinho na acepção do artigo 1.º, n.º 1, parágrafo 4, da Convenção, o que de fato se pode verificar:

 

"poluição do meio marinho" significa a introdução pelo homem, direta ou indiretamente, de substâncias ou de energia no meio marinho, incluindo os estuários, sempre que a mesma provoque ou possa vir provocar efeitos nocivos, tais como danos aos recursos vivos e à vida marinha, riscos à saúde do homem, entrave às atividades marítimas, incluindo a pesca e as outras utilizações legítimas do mar, alteração da qualidade da água do mar, no que se refere à sua utilização, e deterioração dos locais de recreio;[1]

Acrescenta ainda o relatório, além de outras questões, o fato de que nos termos do artigo 194, n.º 1, da Convenção, os Estados Partes na Convenção têm a obrigação específica de tomar todas as medidas necessárias para prevenir, reduzir e controlar a poluição marinha proveniente de emissões antropogênicas de GEE e de se esforçar por harmonizar as suas políticas neste contexto.

Essas medidas, segundo o relatório, deverão ser determinadas objetivamente, tendo em conta, entre outros aspectos, os melhores dados científicos disponíveis e as regras e normas internacionais pertinentes contidas nos tratados sobre alterações climáticas, como a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUAC) e o Acordo de Paris, em particular o objetivo da temperatura global de limitar o aumento da temperatura a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais e o cronograma dos caminhos de emissão para atingir esse objetivo. O âmbito e o conteúdo das medidas necessárias podem variar de acordo com os meios disponíveis aos Estados Partes e às suas capacidades. As medidas necessárias incluem, em particular, aquelas destinadas a reduzir as emissões de GEE.

O relatório traz a expressão one of due diligence[2], que na melhor tradução seria “obrigação de devida diligência”, daí entende-se que não se trata de um parecer consultivo simplesmente, mas talvez de uma decisão vinculativa, especialmente devido a importância fundamental dos oceanos como sumidouros e reservatórios de gases com efeito de estufa e a relevância direta do ambiente marinho para os efeitos adversos das alterações climáticas sobre os pequenos Estados insulares.

No que diz respeito a resposta à pergunta (b), verifica-se, pelo relatório, que a obrigação prevista no artigo 192 da Convenção de proteger e preservar o ambiente marinho tem um âmbito mais amplo, abrangendo qualquer tipo de dano ou ameaça ao ambiente marinho. Ao abrigo desta disposição, os Estados Partes têm a obrigação específica de proteger e preservar o ambiente marinho dos impactos das alterações climáticas e da acidificação dos oceanos. Nos casos em que o ambiente marinho tenha sido degradado, esta obrigação pode exigir medidas para restaurar habitats e ecossistemas marinhos.

Percebe-se que ao utilizar o termo obligation[3], o relatório mais uma vez deixa claro seu caráter vinculativo. A exposição ainda diz que o artigo 192 da Convenção exige que os Estados Partes prevejam os riscos relacionados com os impactos das alterações climáticas e a acidificação dos oceanos, dependendo das circunstâncias.

Esta obrigação seria o dever de diligência. O padrão de devida diligência é rigoroso, segundo a conclusão, dados os elevados riscos de danos graves e irreversíveis ao ambiente marinho decorrentes dos impactos das alterações climáticas e da acidificação dos oceanos.

Dessa forma, a questão que se enfrenta é saber se este parecer tem caráter consultivo, expedindo orientações, como se verifica das consultas que normalmente são feitas ao Tribunal, ou tem o condão de vincular as partes envolvidas, que neste caso não seriam somente os Estados Insulares, mas todos os Estamos Partes na Convenção.

Diante da relevância e importância do tema, verifica-se a necessidade de toda sociedade internacional contribuir com as obrigações contidas na convenção, criando mecanismos internos e seguindo as orientações deste parecer como se vinculativo fosse.

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Decreto n.º 99.165, de 12 de março de 1990. Promulga a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Diário Oficial da República Federativa do Brasil.  Brasília, DF, Seção 1 - 14/3/1990, Página 5169.

 

 

INTERNATIONAL TRIBUNAL FOR THE LAW OF THE SEA. Request for an advisory opinion submitted by the commission of small island states on climate change and international law (request for advisory opinion submitted to the tribunal). Disponível em: https://www.itlos.org/en/main/cases/list-of-cases/request-for-an-advisory-opinion-submitted-by-the-commission-of-small-island-states-on-climate-change-and-international-law-request-for-advisory-opinion-submitted-to-the-tribunal. Acesso em 29. mai. 2024.

 

[1] BRASIL. Decreto n.º 99.165, de 12 de março de 1990. Promulga a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Diário Oficial da República Federativa do Brasil.  Brasília, DF, Seção 1 - 14/3/1990, Página 5169.

[2] INTERNATIONAL TRIBUNAL FOR THE LAW OF THE SEA. Request for an advisory opinion submitted by the commission of small island states on climate change and international law (request for advisory opinion submitted to the tribunal). The obligation under article 194, paragraph 1, of the Convention to take all necessary measures to prevent, reduce and control marine pollution from anthropogenic GHG emissions is one of due diligence. The standard of due diligence is stringent, given the high risks of serious and irreversible harm to the marine environment from such emissions. However, the implementation of the obligation of due diligence may vary according to States’ capabilities and available resources. Disponível em: https://www.itlos.org/en/main/cases/list-of-cases/request-for-an-advisory-opinion-submitted-by-the-commission-of-small-island-states-on-climate-change-and-international-law-request-for-advisory-opinion-submitted-to-the-tribunal. Acesso em 29. mai. 2024.

[3] INTERNATIONAL TRIBUNAL FOR THE LAW OF THE SEA. Request for an advisory opinion submitted by the commission of small island states on climate change and international law (request for advisory opinion submitted to the tribunal). This obligation is one of due diligence. The standard of due diligence is stringent, given the high risks of serious and irreversible harm to the marine environment from climate change impacts and ocean acidification. Disponível em: https://www.itlos.org/en/main/cases/list-of-cases/request-for-an-advisory-opinion-submitted-by-the-commission-of-small-island-states-on-climate-change-and-international-law-request-for-advisory-opinion-submitted-to-the-tribunal. Acesso em 29. mai. 2024.

Imagem disponível em: https://blogs.oglobo.globo.com/lauro-jardim/post/no-tribunal-do-mar.html

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