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Denise Abreu Cavalcanti

Doutoranda em Direito pela Faculdade Autônoma de São Paulo – FADISP; Mestre em Direito das Migrações Transnacionais, pela UNIVALI/UNIPG Universidade de Perúgia/Itália; Curso de extensão em Direito Internacional e Comunitário de Imigração e Asilo através da Jurisprudência, na Universidad de Barcelona; Vice-Presidente da Comissão Nacional de Refugiados do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM para o biênio 2022/2024. Coordenadora do Projeto de Assessoria Jurídica Voluntária as Pessoas Migrantes e Refugiadas na Operação Acolhida, vencedora do Prêmio Innovare 2022, categoria Advocacia. Pesquisadora no Laboratório de Estudos e Pesquisas Avançadas em Direito Internacional Ambiental – LEPADIA da UFRJ. Assessora Parlamentar no Congresso Nacional. Advogada. E-mail: cavalcantidenise021@gmail.com. http://lattes.cnpq.br/0018685558241908

Ricardo Castilho

Pós-Doutor em Direito pela USP e UFSC; Doutor em Direito pela PUCSP; Professor Titular de Filosofia e Direitos Humanos no programa de Mestrado e Doutorado da FADISP; Fundador e Diretor da Escola Paulista de Direito - EPD e Law Concept Academy - LCA; Advogado e Parecerista.


 

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03
Abril
2024

A Mutilação Genital Feminina (MGF) ou circuncisão feminina, consiste na remoção, parcial ou total, dos órgãos genitais externos femininos (clitórios e grandes lábios). Questões culturais e religiosas permeiam a MGF, consistindo, em algumas localidades, como um ritual de passagem da infância à vida adulta e como um requisito para o casamento, sendo realizado, na maioria das vezes, contra a vontade da criança/mulher. O procedimento é feito sem anestesia, com auxilio de uma lâmina, impondo, além de problemas físicos, problemas mentais e psicológicos as vítimas.

Segundo a The Woman Stats Project, a prática da MGF está concentrada, principalmente, em cerca de 30 países na África e no Oriente Médio, e em alguns países da América Latina, Leste Europeu, América do Norte, Austrália e Nova Zelândia onde vivem comunidades de migrantes.

O procedimento é realizado em idades muito diferentes, desde logo após o nascimento e a primeira gravidez, mas geralmente ocorre quando a menina se encontra entre 4 e 8 anos de idade. A menina é imobilizada, geralmente por mulheres idosas, com as pernas abertas. A mutilação é feita com cacos de vidro, tampa de lata, tesoura, lâmina de faca ou outro instrumento pontiagudo. Em sendo meninas de um poder aquisitivo privilegiado, a mutilação pode ser realizada por um médico qualificado em um hospital com anestesia local ou geral.[1]

A Organização Mundial da Saúde descreve a Mutilação Genital Feminina, como "um procedimento que fere os órgãos genitais femininos sem justificativa médica".

Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, adotada em Istambul, a 11 de maio de 2011, foi aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 4/2013, de 14 de dezembro de 2012, impondo que os Estados, a nível internacional, tutelem os direitos humanos das mulheres e meninas, instituindo como infração penal, dentre outros, a mutilação genital feminina.

Em 2016, o Fundo de População das Nações Unidas – UNFPA, em parceria com o UNICEF, lançou o programa Eliminação da Mutilação Genital Feminina: Cumprindo a Promessa Global, propondo ações para eliminar a mutilação genital feminina. Ainda segundo a UNFPA, no ano de 2023, cerca de 4,3 milhões de meninas correm o risco de sofrer mutilação genital feminina. E a previsão é de que esse número chegue a 4,6 milhões até 2030. Além disso, existem mais de 200 milhões de sobreviventes.[2]

A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, em um de seus objetivos, propõe que para se alcançar a igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas, sejam eliminadas todas as práticas nocivas, como os casamentos prematuros, forçados e de crianças e mutilações genitais femininas.

Nesse sentido, cabe aos Estados-Partes, realizarem uma análise propositiva, enfrentando a problemática da MGF, que fere a dignidade humana e viola direitos humanos de meninas e mulheres em todo mundo, como requisito essencial para a implementação de estratégias políticas visando sua erradicação.

O Brasil, por meio do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE)[3], em sua 168ª. Reunião, ocorrida em março de 2023, aprovou a concessão do status de refugiada, prima facie, a meninas e mulheres nacionais de países com alta prevalência da prática de Corte ou Mutilação Genital Feminina.[4]

Segundo o CONARE, a prática de C/MGF é uma grave violação de direitos humanos de meninas e mulheres, com consequências graves no curto e longo prazo para a saúde mental, física e sexual das mulheres, que coexiste com formas adicionais de violência baseada em gênero. O ato é condenado por diversos tratados e convenções regionais e internacionais, e viola, entre outros, o direito à não discriminação com base no gênero, perpetuando a desigualdade entre homens e mulheres, o direito à vida (se o procedimento resultar em morte), à saúde e o direito a estar livre de tortura, punição ou tratamento cruel, desumano ou degradante. Em razão de a prática de C/MGF ser, na maior parte das vezes, efetuada em meninas menores de 15 anos, ela também viola os direitos da criança.

 

[1] La mutilación genital femenina y los derechos humanos Infibulación, excisión y otras prácticas cruentas de iniciación. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/tablas/12056.pdf

[2] Sem ação urgente, mundo perderá a meta de acabar com a mutilação genital feminina até 2030. Em 02/02/2023. Disponível em: https://brazil.unfpa.org/pt-br/news/sem-acao-urgente-mundo-perdera-meta-de-acabar-com-mutilacao-genital-feminina-ate-2030. Acesso em: 26/03/2024.

[3] Governo brasileiro vai conceder refúgio à vítimas de mutilação genital. Em 17/04/2023. Disponível em:  https://migramundo.com/governo-reconhece-refugio-vitimas-de-mutilacao-genital/. Acesso em 23/03/2024.

[4] Conare aprova reconhecimento de mulheres refugiadas vindas de contextos de mutilação genital feminina. Aprovação pelo Comitê é um marco na luta global contra violência de gênero e justiça racial. Disponível em: https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/conare-aprova-reconhecimento-de-mulheres-refugiadas-vindas-de-contextos-de-mutilacao-genital-feminina. Acesso em 23/03/2024.

A CONCESSÃO PRIMA FACIE DO STATUS DE REFUGIADO PELO BRASIL PARA VÍTIMAS DE MUTILAÇÃO GENITAL FEMININA

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