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Fernanda Tonetto
 

Doutora em Direito pela Université Paris II Panthéon-Assas; Doutora e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Mestre em Integração Latino-Americana pela Universidade Federal de Santa Maria; Procuradora do Estado do Rio Grande do Sul nos Tribunais Superiores.

E-mail: fernandafigueiratonetto@gmail.com

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27
Março
2024

O PAPEL DAS CORTES REGIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NA PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE

 

O fim da Segunda Guerra Mundial foi um contexto de grande desenvolvimento do direito internacional. De um lado, em 1945, com a Carta de São Francisco, nasce o sistema da ONU e seu órgão jurisdicional, a Corte Internacional de Justiça. Na sua esteira são firmados tratados internacionais importantes, especialmente em matéria de direitos humanos – as chamadas Core Conventions. De outro lado, é também nesse cenário que são inaugurados dois dos sistemas regionais de proteção aos direitos humanos: o interamericano, com a Carta de OEA e a declaração americana de direitos humanos, de 1948, e o europeu, com a fundação do Conselho da Europa em 1949 e com a convenção europeia de direitos humanos, de 1950.

Nesse período histórico, os textos internacionais visavam proteger essencialmente direitos individuais, os denominados direitos civis e políticos, tão violentados que foram pelo conflito armado e pelo holocausto nazista. Da leitura dessas convenções, em regra, não se vislumbra a busca por uma maior proteção a direitos difusos, como é o caso do meio ambiente. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 não foge a essa regra.

Até esse momento, os textos internacionais praticamente não voltam a sua atenção para a tutela ambiental. É precisamente esse um dos motivos por que o meio ambiente não figura como direito digno de proteção nas convenções americana e europeia de direitos humanos e na grande maioria dos textos internacionais.

A convenção europeia, por exemplo, trata apenas de direitos individuais e não faz nenhuma referência ao meio ambiente. O pacto de São José da Costa Rica, firmado em 1969, segue a mesma linha, embora sofra adequação em momento posterior, com a adoção do Protocolo de San Salvador, de 1988.

Foi precisamente com a Conferência das Nações Unidas para o meio ambiente e a Declaração de Estocolmo de 1972 que o direito internacional começou a lançar seus olhares para a necessidade da tutela ambiental. Esse movimento se fortaleceu nas décadas seguintes, muito especialmente com a realização das Conferências do Rio, em 1992, e de Joanesburgo, em 2002.

A Declaração de Estocolmo se tornará um divisor de águas sobre a matéria, tanto para o direito internacional quanto para os direitos domésticos. É a partir dela que a proteção ambiental passa a ser uma preocupação nesses ordenamentos, seja como um bem jurídico autônomo, seja como um bem jurídico derivado da necessidade de tutela de outros direitos, como o direito à vida e à saúde.

A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, conhecida como Carta de Bajul, reflete essa tendência. Documento de base do sistema regional de direitos humanos fundado na África, foi aprovada pela Conferência Ministerial da Organização da Unidade Africana em janeiro de 1981 e consagrou, em seu artigo 24, o enunciado segundo o qual todos os povos têm direito a um meio ambiente geral satisfatório, propício ao seu desenvolvimento.

O sistema interamericano buscou suprir sua lacuna originária e promulgou, em 1988, o Procotolo de San Salvador, cujo artigo 11 elevou o meio ambiente a um direito autônomo a ser protegido. Estatuiu que toda pessoa tem direito a viver em meio ambiente sadio e a contar com os serviços públicos básicos para tanto. A fim de garantir esse direito, criou para os Estados a obrigação positiva de promover a proteção, a preservação e o melhoramento do meio ambiente.

Nesse mesmo contexto, no sistema europeu de direitos humanos, muito embora não tenha havido uma alteração da Convenção com vistas a incluir o meio ambiente no rol de direitos protegidos, o fato é que a jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos começou a ser construída dentro desse viés, com muitos avanços (e alguns retrocessos), mas com princípios bem estabelecidos acerca dos critérios para a concessão da tutela jurisdicional nos casos de violação ambiental.

Se por um lado as Convenções Americana e Africana de Direitos Humanos consagram essa tutela expressamente e se, de outro lado, inexiste uma declaração expressa na Convenção Europeia de Direitos Humanos no sentido de que o direito a um meio ambiente saudável é uma condição para o gozo dos demais direitos, o fato é que o seu órgão jurisdicional busca garantir essa proteção, ainda que por vias transversas e ainda que o faça com alguns retrocessos.

Essa tutela foi permitida graças a um longo e árduo trabalho para o qual colaboraram diversos atores dos sistemas regionais de proteção dos direitos humanos, a começar pelas vítimas de graves violações causadas por danos ambientais, que gradativamente impuseram às Cortes a necessidade de tecer o debate. Em última análise, pouco a pouco uma construção importante passou a ser protagonizada também pelos juízes internacionais, muito especialmente em matéria de danos ao meio ambiente.

Essa construção permitiu chegar-se ao entendimento de que graves danos ambientais, desde que violadores de direitos previstos convencionalmente, possuem o condão de engendrar a responsabilidade do Estado pelo descumprimento de deveres internacionalmente estabelecidos.

Pouco a pouco, portanto, cresce essa construção jurisprudencial sobre temas relevantes como o aquecimento global, a poluição, o tratamento de resíduos sólidos e os direitos das populações originárias de permanecerem em harmonia com suas terras.

Quem ganha com isso? Certamente que todos nós e, sobretudo, ganham ainda mais as futuras gerações.

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