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Colunistas do Lepadia

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OS RISCOS DA CONSTRUÇÃO DA USINA NUCLEAR NO SERTÃO DE PERNAMBUCO E A EMERGÊNCIA DO DIREITO INTERNACIONAL DAS CATÁSTROFES

Othon Pantoja

Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Faculdade de Direito do Centro de ensino unificado de Brasília (UniCEUB).

E-mail: othon.pantoja@gmail.com

       Conforme o século XXI vai avançando, as catástrofes vão ocorrendo conforme previsto pelos cientistas, principalmente no que diz respeito às mudanças climáticas. Dito isso, a catástrofe da usina nuclear Chernobyl, ocorrida em 1986, é um exemplo que carrega bastante simbologia dos perigos constantes que estamos submetidos através da sociedade global de risco. Mesmo com todas as medidas de controle, análise de riscos, realização de estudos de impactos ambientais, não é possível prever todas as situações em que pode atingir de modo letal em uma usina nuclear.

     Um exemplo mais recente, foi o que ocorreu com a usina nuclear e Fukushima, em 2011, no Japão, tendo em vista um tsunami provocou um cataclisma sem precedentes a região, provocando o acidente nuclear[i]. Assim, obrigou a toda à população a abandonar a região imediatamente. Todo um modo de vida, ligação ancestral com o território, foi abandonado do dia para a noite sem qualquer aviso e preparação prévias, além das quantidades de vidas perdidas e dos impactos ambientais de grande magnitude.

       Na contramão da necessidade de uma transição energética, com fontes renováveis de energia, o mais segura possível, vem, a reabertura do debate acerca da instalação de uma usina nuclear em pleno sertão do Estado de Pernambuco, no município de Itacuruba. Trata-se de um projeto antigo (data de 2011), mas que foi retomado no ano de 2019, fruto do patrocínio direto do governo federal com o seu Plano Nacional de Energia – 2050 (PNE).

       O PNE, surgiu de um relatório emitido pelo governo federal, definiu as metas e as ações de expansão da matriz energética nacional[ii]. Aparentemente, há um certo ar de nostalgia para com as construções tanto de usinas hidrelétricas, quanto de usinas nucleares em décadas passadas impulsionadas pelas políticas desenvolvimentistas durante a ditadura militar (1964-1985). O referido relatório que define o PNE, despreza, em grande medida, as questões ambientais, como por exemplo, o Objetivo 7 da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável da ONU: “Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos”[iii].

      Apesar de ser uma soft-norm, que é uma norma não vinculante (obrigatória), aos Estados, possui como característica, a auxiliar a elaboração de Políticas Públicas. No caso do Objetivo 7, a transição energética para fontes limpas, requer, sobretudo, democracia energética, significa que as tomadas de decisões sobre o tema, devem ser realizadas com participação social. Na prática, o que acontece é um forte lobby das forças produtivas

      Retornando ao projeto da usina nuclear, este está previsto para ser construído na região próxima à cidade de Itacuruba-PE, situada no sertão próxima ao Rio São Francisco. Em 2011 foram realizados os primeiros estudos para a construção de uma energia nuclear em Pernambuco. A empresa Eletronuclear, subsidiária da Eletrobrás, realizou os estudos de viabilidade da obra, que foi engavetada. Contudo, ganhou força após movimentação dos políticos do Estado ao conseguirem, junto ao STF, a declaração da inconstitucionalidade do art. 216 da constituição de Pernambuco[iv]. O artigo prevê que “Fica proibida a instalação de usinas nucleares no território do Estado de Pernambuco enquanto não se esgotar toda a capacidade de produzir energia hidrelétrica e oriunda de outras fontes.”.

     Ademais, sem adentrar no mérito da decisão do STF, várias situações complicam a construção dessa usina nuclear especificamente: histórico de alagamento da antiga cidade pela construção de uma usina hidrelétrica[v]; utilização de um grande volume de água para o resfriamento das turbinas; a existência de vários povos indígenas e comunidades quilombolas em área próxima sem a devida demarcação de suas terras. Nesse sentido, para além dos riscos de uma usina nuclear, a sua construção, por si só, já pode trazer diversas violações socioambientais na região.

     Outro aspecto importante de mencionar, é pela escolha de uma região com pouca densidade populacional, mas não significa um deserto demográfico, muito pelo contrário, é uma região sensível sob o ponto de vista socioambiental. Por isso, é uma falácia afirmar que a energia nuclear é sustentável, tendo em vista todas os riscos tanto em relação a sua instalação, quanto na sua produção e manutenção. Desse modo, trata-se de escolhas políticas de populações consideradas subalternizadas, principalmente nos países de capitalismo tardio. Nos dizeres de Ulrick Beck:

      Na modernidade tardia, a produção social de riqueza é acompanhada sistematicamente pela produção social de riscos. Consequentemente, aos problemas e conflitos distributivos da sociedade da escassez sobrepõem-se os problemas e conflitos surgidos a partir da produção, definição e distribuição de riscos científico-tecnologicamente produzidos[vi].

 Esse retorno ao desenvolvimentismo, nessa eterna confusão em não delimitar os espaços entre política de Estado e política de governo. Aspectos ideológicos levam a esse pêndulo entre desenvolvimentismo e meio ambiente dependendo da orientação ideológica do governo da ocasião. As decisões políticas impactam sobremaneira em um dogmatismo jurídico autoritário, neste caso, derivada da energia, como uma forma mercadoria que deve circular com fins meramente mercantis[vii]. A questão da geração de riquezas e distribuição é um problema crônico que leva às escolhas que optam por atingir certas classes sociais, principalmente populações racializadas, periferizadas e interiorizadas a serem “sacrificadas. Essa perspectiva de política econômica pode ser denominada de “zonas de sacrifício”.

        Zonas de sacrifício, tem como origem no termo "Zonas Nacionais de Sacrifício", utilizado pelos servidores do governo dos Estados Unidos para identificar áreas contaminadas como resultado da mineração e do processamento de urânio em armas nucleares[viii]. As populações atingidas, são consideradas de menor importância, principalmente por estarem em uma região com pouquíssima circulação econômica, o que corrobora, também, para o racismo ambiental.

        Outrossim, a escolha do lugar de instalação se deu de forma totalmente arbitrária, sem levar em consideração a opinião dos moradores da região, principalmente em relação da existência de quilombolas e indígenas (indica-se a existência de 09 comunidades quilombolas e 11 povos indígenas)[ix]. Tanto o Estado de PE, quanto a União, tem violado (até então) a Convenção 169/1989 da OIT, que trata da consulta prévia, livre e informada[x]. Trata-se de mais um fator que evidencia a crise do Direito Internacional, principalmente o sistema ONU.

       Nesse sentido, os possíveis caminhos para uma transição energética segura, sustentável, democrática e de baixo custo, envolvem uma abordagem interdisciplinar. Avaliar, demarcar os riscos, identificar as possíveis populações vulneráveis são essenciais para as tomadas de decisões, que devem ser com ampla participação popular, e não por setores indicados por empresários em lobby com o governo de ocasião. O Acordo de Escazú, por exemplo, poderia resolver a falta de participação pública sobre assuntos ambientais[xi]. Porém, possui poucas ratificações (12), bem como precisa ser debatido na América Latina e no Caribe para ser implementado e ter efetividade.

        Em que se pese as mais variadas abordagens do direito internacional sobre a questão nuclear, a emergência do direito internacional das catástrofes, é o campo do direito que possui um método necessário para lidar sobre a questão dos riscos. Por ser um campo novo, tem condições para desenvolver robustez epistemológica mediante uma abordagem interdisciplinar. Em razão de utilizar como base teórica os estudos sobre os riscos de Ulrick Beck, pode ser utilizada sob os pontos de vista detectivo, preventivo e corretivo em relação as diferentes abordagens das catástrofes. Por outro lado, em virtude de ser um campo ainda em construção, há necessidade de colaboração da comunidade acadêmica para o seu pleno desenvolvimento.

      Portanto, a questão nuclear está no centro desse debate epistemológico, que para buscar a garantia da transição energética, necessita debater a questão da economia política para conseguir dar efetividade à Agenda 2030 e ao seu objetivo 7, das metas do desenvolvimento sustentável. O debate teórico para a formulação dessa epistemologia é bastante necessário ao seu desenvolvimento, e, ao utilizar o método de Popper, que vai para uma testificação a fim de superar ou não dos elementos que descrevem a realidade, a fim de evitar mero denuncismo[xii]. Assim, a reivindicação auto includente da participação social que buscam a criação de novos enunciados, com base na metodologia proposta por Popper, vai para além da espera política da validação formal-institucional do Acordo de Escazú e de outros documentos internacionais que garantem formalmente o direito à participação.

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[i] GUERRA. Direito Internacional das Catástrofes. – Curitiba: Instituto Memória. Centro de Estudos da Contemporaneidade, 2021, p. 15.

[ii] BRASIL, Ministério de Minas e Energia, Empresa de Pesquisa Energética. Plano Nacional de Energia 2050 / Ministério de Minas e Energia. Empresa de Pesquisa Energética. Brasília: MME/EPE, 2020.

[iii] Nações Unidas Brasil, Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável. Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/91863-agenda-2030-para-o-desenvolvimento-sustentavel > acesso em, 06/06/2022.

[iv] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Ação Direito de Inconstitucionalidade nº 6.393 PE. Relatora Rosa Weber, data de julgamento: 04/11/2021.

[v] A construção de uma usina nuclear no Sertão de Pernambuco pode causar danos irreversíveis a população do local e ao meio ambiente. Disponível em: <https://portal.unicap.br/-/a-constru%C3%A7%C3%A3o-de-uma-usina-nuclear-no-sert%C3%A3o-de-pernambuco-pode-causar-danos-irrevers%C3%ADveis-a-popula%C3%A7%C3%A3o-do-local-e-ao-meio-ambiente> , acesso em: 06/06/2022.

[vi] BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. Tradução de Sebastião Nascimento – São Paulo: Editora 34, 2011, 2ª ed., p. 23.

[vii] CALDAS, Camilo Onoda. A teoria da derivação do Estado e do direito. – São Paulo: 2ª ed., Editora Contra Corrente (Pensamento Jurídico Crítico), 2021, p. 91.

[viii] LERNER, Steve. Sacrifice zones: the front lines of toxic chemical exposure in the United States. - Massachusetts: MIT Press, 2010, p. 2-3.  

[ix] A construção de uma usina nuclear no Sertão de Pernambuco pode causar danos irreversíveis a população do local e ao meio ambiente. Disponível em: <https://portal.unicap.br/-/a-constru%C3%A7%C3%A3o-de-uma-usina-nuclear-no-sert%C3%A3o-de-pernambuco-pode-causar-danos-irrevers%C3%ADveis-a-popula%C3%A7%C3%A3o-do-local-e-ao-meio-ambiente> , acesso em: 06/06/2022.

[x] Organização Internacional do Trabalho. Convenção 169 de 1989 sobre os povos indígenas e Tribais.

[xi] CEPAL. Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe, adotado em Escazú (Costa Rica) em 4 de março de 2018.

[xii] LEAL, Rosemiro Pereira. Processo como teoria da lei democrática. Belo Horizonte: Fórum, 2013.

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