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Colunistas do Lepadia

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OS DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Tatiane Colombo

Mestranda em Teoria e Filosofia com ênfase em Sistemas de Justiça, Aspectos Constitucionais e Processuais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), MBA em Gestão Judiciária pela Fundação Getulio Vargas (FGV), Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Estácio de Sá e Especialista em Jurisdição Civil pela Universidade Cândido Mendes (UCM). Juíza de Direito no Tribunal de Justiça do Mato Grosso e pesquisadora.

E-mail: tatiane.colombo2015@gmail.com

As mudanças climáticas mundiais são hoje o maior desafio na construção de um futuro para a vida saudável no planeta, pois apresentam questões emergenciais que implicam na construção de uma sociedade resiliente, com responsabilidade social e voltada à proteção dos direitos humanos.

Estamos chegando a um ponto em que se configura a irreversibilidade da situação, daí a necessidade de um esforço coletivo multidimensional – local, regional, nacional, global – para enfrentarmos os riscos climáticos que já afetam a humanidade de maneira transfronteiriça.

As falhas e as contradições quanto ao enfrentamento dos problemas climáticos levam a população a desconhecer os impactos aos quais está sujeita, impactos esses que, em alguns casos, já estão sendo vivenciados. Daí a relevância de um projeto que possa atingir, de forma efetiva, a todos os níveis da população mundial, retratando a emergência climática atual.

A falta de medidas efetivas sobre o tema resulta na presença de eventos desastrosos, cada vez mais comuns, que aumentam ainda mais as desigualdades sociais. Daí ser oportuno o direcionamento para novas estruturas sociais e o fomento a tudo que envolve a promoção de capacidades nos Estados a trazerem resiliência para a implementação de novas atitudes.

Nessa esteira, é importante a combinação de diferentes atores para buscar soluções mais adequadas ao enfrentamento do Estado de emergência climática ao qual nos encontramos em função da sociedade global de riscos. Por isso, a participação social é fundamental no intuito de se construir de modo interseccional a elaboração, o planejamento e a implementação das políticas públicas necessárias no sentido de se prevenir, mitigar e adaptar a vida cotidiana às eventuais catástrofes climáticas.

É fato que a educação e a informação permitem conectar conhecimento vital na mudança comportamental e na cultura, possibilitando a garantia de um futuro digno e o desenvolvimento de políticas públicas.

Associado a este novo momento, traz-se para esta ocasião os fundamentos inovadores do Direito Internacional das Catástrofes, conforme delineado por Sidney Guerra, que além de influências epistemológicas, oferece como principal delineador o conjunto da obra do cientista social Ulrich Beck e sua teoria da Sociedade do Risco. Nesse contexto é que são debatidos os impactos ambientais na transição da sociedade para a pós-modernidade para demonstrar como esse cenário se reflete nos riscos que precisam ser observados na tomada de decisões que deixa a sociedade exposta ao risco de desastres – nos referimos a ondas de calor, secas prolongadas, desertificação, todos bons exemplos de eventos que interferem economicamente em todos os continentes e atingem, sobretudo, a produtividade das nações.

As mudanças climáticas resultam no aumento de catástrofes, o que demanda a construção de uma nova estrutura de sociedade. Conforme apontou Antonio Guterres, secretário geral da ONU, "o mundo caminha para uma situação irreversível, que pode transformá-lo em um local inabitável"[1].

Emerge, então, a necessidade de se implementar um maior equilíbrio relativo aos aspectos sociais, econômicos e ecológicos em todo o planeta, que permita se restaurar através do equilíbrio político passos importantes, observando particularidades e vulnerabilidades para se chegar a um desenvolvimento sustentável.

A correlação dos fenômenos decorrentes das alterações climáticas atinge a todos os países a partir da perda da biodiversidade, da poluição e da redução alarmante de lençóis freáticos, da diminuição da produtividade de alimentos, da elevação do nível do mar, da seca dos rios, das tempestades sem precedentes, além de atingir com maior ímpeto aqueles que apresentam vulnerabilidades mais evidentes, o que resulta em um significativo crescimento da desigualdade social.

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão das Nações Unidas, criado em 1988, pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), tem como objetivo interpretar e reunir informações acerca do aquecimento global, avaliar pesquisas e reunir informações importantes sobre os impactos da mudança do clima e a influência desse fenômeno na economia e em setores diversos da sociedade[2].

Em 2022, o relatório do IPCC trouxe seis pontos relevantes a serem observados para a mitigação das mudanças climáticas que contribuíram para frear a escalada do aumento da temperatura global. O recomendável é mantê-la em, no máximo, 1,5º graus celsius conforme estabelecido pelo Acordo de Paris, que ainda pontuou: nos próximos três anos, o mundo deve atingir o pico de emissões de gases do efeito estufa, o que deverá trazer uma situação de emergência global causada pelo homem[3].

Assim, cabe a cada Estado, dentro de suas limitações, traçar estratégias através da construção de políticas que permitam não mais prevenir – porque esta fase já fora ultrapassada pelo planeta – mas mitigar os impactos das mudanças climáticas.

Trata-se da construção de uma etapa importante para a formatação de Estados com uma sociedade mais resiliente, capaz de identificar suas vulnerabilidades e trabalhar em conjunto com a sua população.

A importância da governança climática através da sincronia de ações dos Estados dentro de cada uma de suas esferas, organismos internacionais, setor privado e organizações sociais é de habilitar a tomada de decisões de forma mais precisa. Daí a importância de se incluir a participação da sociedade, de conscientizá-la acerca da atual realidade e de oferecer-lhe informações úteis para que ela possa contribuir no que tange às particularidades de cada comunidade.

Conscientizar e informar constantemente a população acerca da real situação enfrentada pelo planeta são armas importantes para se implementar as medidas necessárias ao enfrentamento dos problemas contemporâneos nessa área, tendo em vista a existência de uma grande parcela de negacionistas que possuem como um dos seus principais representantes o Painel Internacional Não Governamental sobre Mudanças Climáticas (NIPCC), patrocinado por três organizações sem fins lucrativos: o Centro para o Estudo do Dióxido de Carbono e Mudanças Globais, o Projeto de Política Científica e Ambiental e o Heartland Institute, que contestam o trabalho do IPCC, afirmando tratar-se de órgão cujos cientistas são todos indicados, ligados aos governos, e que, portanto, estariam manipulando a realidade[4].

Em junho de 2022, a União Europeia aprovou a Lei do Clima, cujo objetivo é neutralizar a emissão de gases que contribuem para alarmar ainda mais o efeito estufa. Trata-se de uma lei resultante de um conjunto de estratégias definidas para impulsionar o desenvolvimento sustentável.

As conferências ambientais são responsáveis por celebrar pactos e delinear as etapas necessárias a serem atingidas. Dentre as principais, estão a Conferência de Estocolmo, a Primeira Conferência Mundial do Clima em Genebra (Suíça), a Conferência Rio 92, a Primeira Conferência das Partes (COP), em Belém (1995), a COP 3, que deu origem ao Protocolo de Kyoto, e a COP 21, da qual resultou o Acordo de Paris.

O Acordo de Paris, ao reconhecer o problema da mudança do clima como uma questão emergencial, expôs a necessidade de se promover a cooperação em todos os níveis, de se mobilizar sociedade civil, o setor privado, as cidades, as comunidades locais e os povos originários.

Ao declarar o meio ambiente limpo, saudável e sustentável como um direito humano universal junto à Resolução n. 76/300 da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, a ONU enfatiza a necessidade de se unificar o trabalho já desenvolvido e aliado à Agenda 2030.  

Reverter a tendência da emissão de gases do efeito estufa – um dos grandes vilões das mudanças climáticas – é um desafio considerável, a exigir dos governantes, da sociedade civil e do setor privado amadurecer planejamentos e estimular subsídios voltados ao enfrentamento dessa realidade. Nesse contexto, o consumismo excessivo de matéria-prima advinda de recursos renováveis deve ser desmotivado enquanto, por outro lado, deve ser estimulado o modelo linear de economia circular.

O direcionamento para uma economia circular está em conformidade à Agenda 2030 na ODS 12 e abarca uma formatação necessária para a estruturação do futuro, a partir da diminuição do uso de recursos renováveis, até mesmo quanto aos resíduos que passam a ser absorvidos.

Segundo a Plataform for Acelerating the Circular Economy (PACE), criada para acelerar a economia circular de 100 milhões de toneladas de matéria-prima, somente 8,6% delas são recicladas e devolvidas à economia[5].

O Direito Internacional das Catástrofes, como um modelo teórico-metodológico para agregar as diferentes correlações interdisciplinares, trabalha a possibilidade de se exercer um movimento por justiça climática como modelo participativo reconhecido pelo Preâmbulo do Acordo de Paris, com o objetivo de elaborar e de implementar políticas públicas para o enfrentamento das mudanças climáticas.

Em seu art. 2º, item 1, o Acordo visa fortalecer o enfrentamento à ameaça da mudança climática, com base nos conceitos de desenvolvimento sustentável e esforços para erradicar a pobreza, observando a equidade e o princípio das responsabilidades comuns ante as diferentes situações e características de cada Estado[6].

A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2022 (COP27), a ser realizada entre 7 e 18 de novembro de 2022, no Egito, marcará o 30º aniversário da adoção da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Assim, de Estocolmo a Sharm El-Sheikh, é possível observar que apesar de alguns avanços no que concerne à mitigação, prevenção e resiliência já observados nos relatórios do IPCC, ainda é visível a necessidade de se investir numa cooperação coletiva entre os Estados de maneira mais efetiva para se conter os avanços dos danos capazes de intensificar as catástrofes decorrentes das mudanças climáticas[7].

A par deste contexto, observa-se que apesar do indicativo global dar grande visibilidade a essas catástrofe e da população mundial estar experimentando continuamente os efeitos da mudança climática e os resultados danosos delas decorrentes, as discordâncias em alguns pontos e as desavenças na política ainda colocam em risco a vida no planeta. Daí a necessidade de se imprimir celeridade quanto às medidas a serem adotadas para diminuir a emissão de gases de efeito estufa, o uso de combustíveis fósseis, e de se adotar a prática da utilização de energia limpa.

A importância da utilização de combustíveis fósseis, por exemplo, começa a ser observada com mais ênfase nesse momento, inclusive na disputa do poder, algo visível durante a atual Guerra da Ucrânia, catástrofe que trouxe a insegurança mundial do fantasma da utilização dos armamentos nucleares e a dependência europeia do gás natural. Assim, embora muito se fale e se legisle, ainda há muitas ações necessárias exigindo posturas efetivas na construção de uma nova ordem de governança na preservação do meio ambiente e consequente redução dos impactos no clima mundial.

Referências

Conclusões do relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. Disponível em: https://www.wribrasil.org.br/noticias/6-conclusoes-do-relatorio-do-ipcc-de-2022-sobre-mitigacao-das-mudancas-climaticas. Acesso em: 21 out. 2022.

COP 27 Sharm El-Sheikh, Egito. Disponível em: https://cop27.eg/#/presidency#about. Acesso em: 21 out. 2022.

Decreto n. 9.073, de 05 de junho de 2017. Promulga o Acordo de Paris sob a Convenção-Quadro sobre a mudança do Clima, celebrado em Paris, em 12 de dezembro de 2015, e firmado em Nova Iorque, em 22 de abril de 2016. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/d9073.htm. Acesso em: 17 out. 2022.

Nongovernanmental International Panel on Climate Change (NIPCC). Disponível em: http://climatechangereconsidered.org/. Acesso em: 20 out. 2022.

PACE – Plataform for Acelerating the Circular Economy. Disponível em:  https://pacecircular.org. Acesso em: 03 set. 2020.

Painel Intergovernamental sobre mudanças climáticas. Disponível em: https://www.ipcc.ch. Acesso em: 20 out. 2022.

Relatório Climático da ONU: estamos a caminho do desastre, alerta Guterres. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/176755-relatorio-climatico-da-onu-estamos-caminho-do-desastre-alerta-guterres. Acesso em: 20 out. 2022.

[1] Relatório Climático da ONU: estamos a caminho do desastre, alerta Guterres. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/176755-relatorio-climatico-da-onu-estamos-caminho-do-desastre-alerta-guterres. Acesso em: 20 out. 2022.

[2] Painel Intergovernamental sobre mudanças climáticas. Disponível em: https://www.ipcc.ch. Acesso em: 20 out. 2022.

[3] 6 Conclusões do relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. Disponível em: https://www.wribrasil.org.br/noticias/6-conclusoes-do-relatorio-do-ipcc-de-2022-sobre-mitigacao-das-mudancas-climaticas. Acesso em: 21 out. 2022.

[4] Nongovernanmental International Panel on Climate Change (NIPCC). Disponível em: http://climatechangereconsidered.org/. Acesso em: 20 out. 2022.

[5] PACE – Plataform for Acelerating the Circular Economy. Disponível em:  https://pacecircular.org. Acesso em: 03 set. 2020.

[6] Decreto n. 9.073, de 05 de junho de 2017. Promulga o Acordo de Paris sob a Convenção-Quadro sobre a mudança do Clima, celebrado em Paris, em 12 de dezembro de 2015, e firmado em Nova Iorque, em 22 de abril de 2016. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/d9073.htm. Acesso em: 17 out. 2022.

[7] COP 27 Sharm El-Sheikh, Egito. Disponível em: https://cop27.eg/#/presidency#about. Acesso em: 21 out. 2022.

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