
O QUE É JUSTIÇA CLIMÁTICA E A EMERGÊNCIA DAS METAS CIDADANIAS ECOLÓGICAS
Othon Pantoja
Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Faculdade de Direito do Centro de ensino unificado de Brasília (UniCEUB).
E-mail: othon.pantoja@gmail.com
Após a revolução industrial e a formação dos Estados moderno, o direito em sua forma contemporânea foi estruturado a partir das relações econômicas do próprio capitalismo. Contudo, a partir dos movimentos sociais que que exerceram pressão tanto sobre a classe burguesa, quanto ao Estado, os direitos sociais foram galgando espaço, sejam os direitos individuais e coletivos e até mesmo os direitos à proteção ambiental.
Essa forma de pensar sobre os direitos fundamentais são conhecidos por direitos fundamentais de terceira geração ou dimensão. Nesse sentido, é importante destacar que a conquista desses direitos são frutos de conquistas advindas de lutas sociais. Significa que as camadas de proteção jurídicas, ao menos formal de direitos humanos, sociais e ao meio ambiente, tiveram como origem a lutar por esses direitos.
Reivindicar direitos faz parte do jogo político da democracia, ou seja, vem das ruas, que é o pleno exercício da cidadania. No entanto a cidadania não contempla todos os estratos sociais, tendo em vista que a visão de cidadania é universal e eurocêntrica, por isso é considerada como incompleta. Nos dias atuais, pode-se afirmar que há uma perspectiva neoliberal de que é aceitável um conjunto mínimo de direitos individuais, deslocando a cidadania para a categoria de consumidor. Nesse diapasão, despreza-se direitos sociais, difusos, coletivos e principalmente os relacionados ao meio ambiente, deixando as questões a respeito ao bem comum de lado[i].
Nessa seara, pauta como a proteção climática, ou a luta para evitar as catástrofes geradas em razão das mudanças climáticas, tem exercido pressão sobre as instituições que normatizam sobre as mudanças climáticas. Anualmente, há a Conferência das Partes (COPs), em que os Estados-Parte da Convenção-Quadro Sobre as Mudanças do Clima da ONU se reúnem para tratar sobre o que foi feito e para criar normas e metas para a redução das emissões dos gases antrópicos de efeito estufa.
No entanto, talvez o principal gargalo é a pouca participação social das discussões que podem gerar textos normativos (vinculantes ou não) sobre o tema. A mídia tradicional geralmente dá amplo destaque durante a realização das COPs. Lideranças indígenas, representantes da sociedade civil como um todo sempre conseguem ter acesso ao microfone e falarem sobre as necessidades do enfrentamento à crise climática. No entanto, o que é pouco falado, é que as COPs têm se tornado mais uma feira de negócios, com stands de multinacionais, mais preocupados em gerar lucros e a criação de novos mercados do que necessariamente com a proteção ambiental. Para se ter uma ideia da ausência da participação pública, na COP26, realizada em Glasgow, na Escócia no ano de 2021, havia 11.700 observadores credenciados para a conferência, mas somente 36 conseguiram ter acesso as áreas de negociação[ii].
A organização da COP26 utilizou a pandemia para criar os mais variados entraves para a participação pública, pois os participantes interessados foram expostos a várias regras de viagem e vistos para o Reino Unido. Além disso, tiveram com relação a hospedagem a preços mais acessíveis. Outra barreira foi a dificuldade de se conseguir reconhecimento de vacinas, impedindo várias pessoas interessadas a viajarem à Escócia, que ficou conhecido como “apartheid da vacina”. Em contrapartida, havia grandes delegações de grupos como a indústria de combustíveis fósseis.
No entanto, pode-se dizer que essa proposital exclusão da participação pública da COP 26 conseguiu passar incólume sem pressão pública. Meses antes da realização da COP26, o grupo conhecido como Coalition COP26[iii], conseguiu reunir representantes de grupos indígenas, comunidades que já enfrentam a crise climática diretamente, sindicatos, grupos de justiça racial, jovens grevistas, ONGs, movimentos feministas etc. A Coalização conseguiu criar condições para viagem, hospedagem e criou vários painéis e assembleias populares paralelas ao evento oficial.
Essa conjunção de diferentes grupos de movimentos sociais que se reuniram em Glasgow, pode ser chamada por movimento por justiça climática. Justiça climática não tem a ver com poder judiciário como braço do poder estatal, mas dessa coalização de movimentos sociais que buscam exercer o direito a terem voz, de exercerem o seu direito à cidadania para lidar com a questão climática sob o ponto de vista popular e, portanto, democrático.
Essas Assembleias eram realizadas diariamente Glasgow e transmitidas pela internet. Os principais tópicos eram debatidos, tais como: justiça climática; justiça econômica; trabalho; feminismo; reparações climáticas e descolonização, movimentos indígenas; acesso e deficiência e organização de jovens. Para se ter ideia, durante a COP26, foi organizada “O dia pela ação climática”, ocorreram mais de 806 ações climáticas no mundo, indo em torno de 150 mil pessoas às ruas apenas na cidade de Glasgow.
Por isso, o movimento por justiça climática é essencialmente político e que pode ter consequências jurídicas no futuro, é por isso que a sociedade global interconectada precisa estar interconectada e gerando os debates necessários. Por isso o direito internacional público se encontra engessada e presa a antigos paradigmas, ficando presos a um eterno porvir, mas sem qualquer efetividade. Isso evidencia o abismo que existe entre Estados, Organizações Internacionais e sociedade, principalmente pela dificuldade em aceitar que dar condições para as mais variadas formas de existir deve ser a tônica para uma sociedade mais justa e inclusiva.
No entanto, essa inclusão não pode ser apenas forma, idealizada, mas que as condições materiais devem ser pavimentadas e por isso que o conceito de cidadania deve ser radicalmente transformado. O autor uruguaio Eduardo Gudynas, traz a tese sobre os Direitos da Natureza e da metacidadanias ecológicas. Os direitos da natureza seria o deslocamento do meio ambiente como um ativo econômico e antropocêntrico, para o biocentrismo, entendendo que a humanidade deve se entender como pertencente à natureza e não exploradora da mesma.
Tal concepção não seria um retrocesso tecnológico e uma busca de se viver como milênios atrás, mas de aproveitar as próprias tecnologias que a natureza pode oferecer a nosso favor sem ter uma concepção extrativista exploratória, o que inclui também de grupos explorados daqueles que são diretamente atingidos pelas mazelas da sociedade de risco.
Nesse aspecto, as diferentes dimensões culturais devem ser contempladas, tendo em vista que o conceito de cidadania universalista e ocidental, precisa contemplar diferentes formas de existência e de pontos de vistas. Aí que entra a necessidade de metacidadanias ecológicas, em que se aprofundam as questões ambientais, obrigando a repensar a própria definição de cidadania. É importante ressaltar que a cidadania e ecologia são indissociáveis, pois não se resume sobre a participação social sobre temas ambientais. A cidadania ambiental é baseada nos direitos fundamentais de terceira geração/dimensão, mas ainda é insuficiente e incompleta, pois não rompe com o utilitarismo e o uso econômico da natureza.
A metacidadanias ecológicas prevê a pluralidade, pois não é possível determinar um padrão de cidadania que deve ser imposta à toda a sociedade global, que despreza as diferentes formas de existir e de relacionar com o próprio território. É multicultural e, portanto, deve ser pensada a partir de cada grupo social e para cada ecossistema que se encontram. É partir daí que outras formas de pensar a economia podem ser concebidas e de gerar prosperidade sempre em busca do bem comum, em vez de cumulação de riqueza, distribuição de miséria e destruição ambiental.
Para Gudynas, a ideia de metacidadanias ecológicas poderá permitir diferentes soluções para a crise climática e social, possibilitando a incorporação das comunidades sociais e que ao mesmo tempo podem ser consideradas como comunidades ecológicas. Só assim será possível aliar comunidades que possuem o próprio conceito de cidadania, que podem ser análogas ao conceito ocidental, mas que apenas serão contempladas sob os contextos territoriais e ecológicos em que se encontram.
Desse modo, pode-se afirmar que a melhor saída para o enfrentamento da crise climática é aliar forças para atuar em rede, que pode ser global em sua coalização, mas territorial em sua atuação e pensamento. Outrossim, poderá demonstrar toda a riqueza que a comunidade humana pode proporcionar através da pluralidade de existência e respeito entre as diferenças.
Assim, se o direito se aliar a essa perspectiva, ele pode chegar a outro nível de riqueza e ser transformado em um modo realmente democrático e pode chegar a lugares da emancipação humana jamais imaginados. Imaginar outros mundos só possível se a humanidade como um todo for chamada para ser ouvida e deve ser tirada do papel de receptora de tomadas de decisões em gabinetes fechados e por pessoas distantes do povo.
REFERÊNCIAS
[i] GUDYNAS, Eduardo. Direitos da natureza: ética biocêntrica e políticas ambientais. Tradução Igor Ojeda. – São Paulo: Elefante, 2019. p. 213.
[ii] Public Participation and COP26: A Report from Glasgow, disponível em:< https://www.ciel.org/public-participation-and-cop26-a-report-from-glasgow/ >. Acesso em 02/08/2022.
[iii] COP26 was a historic moment for the climate justice movement. We need to keep building. Disponível em:< https://cop26coalition.org/> . Acesso em 02/08/2022.