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Colunistas do Lepadia

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O DIREITO INTERNACIONAL AMBIENTAL NA PAUTA VERDE DO STF

Fernanda Tonetto

Doutora em Direito pela Université Paris II Panthéon-Assas; Doutora e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Mestre em Integração Latino-Americana pela Universidade Federal de Santa Maria; Procuradora do Estado do Rio Grande do Sul nos Tribunais Superiores.

E-mail: fernandafigueiratonetto@gmail.com

Há algumas semanas, o STF liberou para apreciação do plenário uma série de demandas que versam sobre o tema do meio ambiente. Ao todo, foram sete as ações incluídas no que passou a ser conhecido como a pauta verde do Supremo Tribunal Federal.

A primeira ação a ter seu julgamento iniciado foi a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 760, de relatoria da Ministra Carmen Lucia. Proposta pelo PSB contra a União Federal, tem como objeto a análise da (in)execução de um plano efetivo de prevenção ao desmatamento na Amazônia.

O julgamento da ADPF 760 iniciou-se em conjunto com o da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 54, cujo pedido principal foi o de declaração de omissão inconstitucional do Presidente da República e do ministro do meio ambiente em coibir o avanço do desmatamento na Floresta Amazônica.

Também de relatoria da Ministra Carmen Lucia foi pautado o julgamento da ADPF 735, ajuizada pelo Partido Verde contra atos do Poder Executivo (Decreto 10.341/2020 e Portaria 1.804/2020 do Ministério da Defesa), cujo texto retirou a autonomia do IBAMA enquanto agente de fiscalização.

Sob a mesma relatoria e na mesma esteira estão pautadas a ADPF 651, proposta contra o Decreto 10.224/2020, que excluiu a participação da sociedade civil do conselho deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente; a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.148, proposta pelo Procurador-Geral da República contra o Presidente do Conama contra a Resolução Conama 491/2018, que não regulamenta de forma adequada os padrões de qualidade do ar; e a ADI 6.808, que questiona alterações feitas por medida provisória à lei que versa sobre a Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios, cujo texto prevê a concessão automática, sem análise humana, de alvará de funcionamento e licenças, inclusive ambientais.

Por fim, sob a relatoria da Ministra Rosa Weber, encontra-se na pauta a ADO 59, ajuizada por quatro partidos políticos. O objeto principal da ação é a declaração de que houve omissão da União quanto à paralisação do Fundo Amazônia e do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima).

A Corte constitucional brasileira desencadeou o debate dos processos contidos nessa pauta no início do mês de abril. As duas primeiras ações a serem julgadas, ADPF 760 e ADO 54, foram objeto de um longo e exaustivo voto da Ministra Carmen Lucia.

Apesar do pedido de vista formulado pelo Ministro André Mendonça e de uma consequente quebra do ritmo de julgamento de questões polêmicas ligadas à política governamental do meio ambiente, a judiciosa apreciação feita pela Ministra relatora permite inferências acerca de uma possível posição progressista da Corte no trato das questões ambientais, caso o seu voto colha a maioria.

Dentre tantos assuntos abordados, merece destaque o que se convencionou chamar estado de coisas inconstitucional, relativo ao desmatamento ilegal da Floresta Amazônica, consequência de um entendimento de que a omissão governamental gerou um quadro de violações generalizadas a direitos constitucionalmente reconhecidos.

O voto também chama a atenção para o papel do direito internacional na consolidação de um direito ambiental efetivo e de uma bem construída política pública de proteção ao meio ambiente, que deve dar lugar ao que a julgadora denominou estado teatral em matéria ambiental.

O primeiro desses aspectos refere-se à importância dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. O voto menciona expressamente a inexecução de deveres internacionais de redução de desmatamento e de combate à emergência climática assumidos na Conferência Mundial do Clima, realizada em Copenhague, além de referir outros tratados internacionais ratificados pelo Brasil, como a Convenção da Basileia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e a Convenção sobre Diversidade Biológica.

Foi com base especialmente nesses tratados internacionais que a decisão determinou que até 2023 fossem adotadas as providências para que o desmatamento da Amazônia Legal atingisse a meta de 3.925 km² de taxa máxima anual, correspondente à redução de 80% dos índices anuais em relação à média verificada entre os anos de 1996 e 2005.

Dessa condenação sobressai um segundo ponto, decorrente da construção feita pelo direito internacional acerca do conceito de obrigações positivas dos Estados, no sentido de adotarem condutas comissivas compatíveis com os compromissos que assumem em tratados internacionais bilaterais ou multilaterais.

Segundo a Ministra, a política ambiental do governo mostrou-se ineficiente, diante do aumento das queimadas e do desmatamento. Dessa constatação decorreu a condenação da União e dos órgãos e entidades federais competentes, para que formulassem e apresentassem um plano de execução para a retomada de efetivas providências de fiscalização, controle das atividades para a proteção ambiental da Floresta Amazônica, do resguardo dos direitos dos indígenas e de outros povos habitantes das áreas protegidas.

O voto elucida, ainda, a estreita relação entre o meio ambiente e as garantias consagradas pelo direito internacional dos direitos humanos, ao afirmar que o quadro estrutural é de ofensa massiva, sistemática e generalizada dos direitos fundamentais ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à saúde e à vida digna.

Foi com base nesse preceito que determinou que a União e seus respectivos órgãos passassem a apresentar, com atualização mensal, em sítio eletrônico, relatórios objetivos, transparentes, claros e em linguagem de fácil compreensão ao cidadão brasileiro, contendo as ações e os resultados das medidas adotadas em cumprimento aos comandos determinados pelo Supremo Tribunal Federal.

Esse comando, segundo a Ministra, seria decorrente da garantia do direito republicano à transparência e à participação da sociedade brasileira, titular dos direitos fundamentais à dignidade ambiental, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ao direito de cada um e de todos à saúde, à vida digna e aos direitos dos grupos específicos cujos direitos fundamentais estão em jogo quando se trata dos fatos postos na demanda.

Seu fundamento está no fato de que a “dignidade ambiental incrusta-se na dignidade humana prevista constitucionalmente como fundamento da República brasileira, formalizada como Estado democrático de direito. Dignidade impõe compromissos do Estado com a humanidade dos viventes em seu espaço territorial e em todos os recantos do planeta”.

Direitos humanos e direito a um meio ambiente saudável são, portanto, dois lados da mesma moeda, pelo simples fato de que não se pode usufruir plenamente de direitos que garantem o mínimo existencial dentro de um ambiente totalmente degradado. Essa é uma constatação há muito tempo já feita por jurisdições internacionais como as Cortes Europeia e Interamericana de Direitos Humanos.

Na esteira desse entendimento e com esse belo e ensurdecedor voto, a proximidade de sua prevalência ou de sua rejeição coloca o Supremo Tribunal Federal na encruzilhada de posicionar-se na vanguarda da proteção do meio ambiente, como já fizeram outras Cortes de vértice mundo afora, ou então de enclausurar-se na ultrapassada postura da supremacia da soberania nacional, que tudo pode.

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