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Colunistas do Lepadia

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O DIREITO DO ACESSO À ÁGUA PELOS POVOS INDÍGENAS NAS AMÉRICAS: considerações pela perspectiva da Comissão Interamericana de Direitos Humanos

Denise Girardon

Doutora em Direito pela Universidade do Rio dos Sinos - UNISINOS. Mestra em Direito pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul- UNIJUÍ. Especialista em Educação Ambiental pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM.

E-mail: dtgsjno@hotmail.com

        Os direitos humanos alicerçam-se na premissa de que, para uma vida digna, é necessário de toda pessoa tenha garantido os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais (representados pela sigla DESCA). É obrigação dos Estados, por meio de diferentes ações, estratégias e políticas, assegurá-los, dada as características de interrelação, interdependência e indivisibilidade desses direitos.

       No Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH), há vários tratados que pautam os DESCA, como a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (DADDH), de 1948, a Carta da Organização dos Estados Americanos (Carta da OEA), com vigência em 1951, e a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), de 1969, destacados por serem os pilares da OEA e da SIDH e inspirações para tratados posteriores em matéria de direitos humanos. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) integra o SIDH e tem a função de promover e proteger os direitos humanos nas Américas, por intermédio de visitas aos Estados signatários, organização de relatórios sobre a situação dos direitos e assessoria e cooperação técnica com países, dentre outros.

        Dentre os órgãos da CIDH, destacam-se as Relatorias Temáticas, voltadas a atender grupos, comunidades e povos em condição de vulnerabilidade e discriminação histórica, e, consequentemente, expostos/as a violações de direitos humanos. A Relatoria Temática voltada a DESCA (REDESCA) publicou, em dezembro de 2021, o Compêndio Derechos Económicos, Sociales, Culturales y Ambientales: Estándares Interamericanos, que destacou os marcos normativos, as obrigações gerais dos Estados e os grupos em situação de vulnerabilidade quanto aos DESCA, dentre os quais figuram os povos indígenas.

       A situação dos direitos humanos dos povos indígenas e tribais depende, diretamente, dos direitos territoriais, espaço de realização de suas cosmovisões, e aos quais os demais direitos têm estreita vinculação. O cerceamento aos territórios ancestrais desencadeia condições precarizadas/infra-humanas, pela fragilização da alimentação, do acesso à água e outros serviços básicos, com elevação dos índices de mortalidade e desnutrição infantil e vulnerabilidade a doenças e epidemias. A não garantia dos direitos à água, à alimentação e à saúde comprometem a premissa da existência digna e a de ter condições mínimas para exercer outros direitos básicos, como à educação e à identidade cultural.

        Mesmo que o direito ao território seja assegurado, a vulnerabilidade dos povos indígenas e tribais permanece por conta dos impactos ambientais e a redução da biodiversidade: a contaminação dos recursos hídricos leva ao consumo de água e animais contaminados, gera crises alimentares e afeta práticas tradicionais de caça, pesca e cultivos.

        A CIDH enfatizou, no Informe sobre Pueblos indígenas, comunidades Afrodescendentes y recursos naturales, de 2016, que a implementação de projetos extrativistas e agroquímicos, como os de infraestrutura e de extração de recursos naturais, mineradoras formais e informais, represas que alteram os canais naturais dos rios, é o principal fator de contaminação de fontes hídricas e do acesso à água potável por pessoas e comunidades pobres, em especial, de zonas rurais nas Américas, “[...] todo lo cual genera impactos desproporcionados en los derechos humanos de las personas, grupos y colectividades históricamente discriminadas” (p. 35).

       Em relação ao direito à água, o SIDH não possui uma normativa específica, mas a CIDH pauta-se no conjunto de instrumentos que reconhece esse e outros direitos correlatos, como a DADDH, que pauta, expressamente, os direitos à vida, à integridade pessoal, à saúde, à alimentação e à moradia; a CADH, com os direitos à vida, à integridade pessoal e ao meio ambiente sadio (este, previsto no Protocolo Adicional, de 1977). Na Opinião Consultiva 23, de 2017, a Corte Interamericana sustentou que os Estados devem se abster de qualquer prática ou atividade que restrinja o acesso igualitário da água e da alimentação adequada, bem como, de contaminar o meio ambiente de forma que sejam afetadas as condições de vida digna das pessoas, o que inclui as fontes de água e de alimentação.

       Especificamente, quanto aos direitos dos povos indígenas, a CIDH recomenda aos Estados a prevenção, mitigação e suspensão dos impactos negativos sobre os direitos humanos, especialmente, relacionados ao acesso à água por pessoas, grupos e coletividades afetadas por atividades extrativistas, e a consulta adequada e efetiva aos povos indígenas em caso de pretensão de realização de alguma atividade extrativista ou de qualquer implicação em suas terras/territórios, especialmente, quanto ao acesso à água, em qualidade e quantidade para uma vida digna.

        Portanto, os DESCA são perpassados pelo direito à água e ao seu acesso adequado, qualitativa e quantitativamente, o que, para os povos indígenas e tribais, é condição elementar para a fruição de suas formas de vida, intimamente, relacionadas à natureza e ao meio em que estão inseridos. Pautar o acesso aos recursos hídricos implica em afirmar a necessidade de preservação do meio ambiente, apontar a responsabilidade dos Estados na proteção desses e outros grupos vulneráveis, sobretudo, quanto a práticas, potencialmente, poluentes, com capacidade de colocar em risco as formas de vida e a própria existência dos povos indígenas.

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COMISIÓN INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Compendio sobre Derechos Económicos Sociales Culturales y Ambientales: estândares interamericanos. Cuidade del México: Enbajada de Noruega, 2021.

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