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André Ricci Amorim

Doutor em Direito Internacional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Mestre em Direito Internacional Público e Europeu pela Universidade de Coimbra, Portugal. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pesquisador no LEPADIA. Advogado e Professor Universitário.

​E-mail: andrericci_8@hotmail.com

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10
Abril 
2024

O Tratado da União Falepili Austrália-Tuvalu: uma esperança para a proteção do migrante climático?

 

No final do ano passado, especificamente em 09 de novembro de 2023, foi assinado um tratado em matéria de mudanças climáticas, segurança e mobilidade humana, o qual previu, por exemplo: (i) conceder vistos especiais para os tuvaluanos que intentassem migrar para a Austrália; (ii) promover medidas em matéria de segurança na região; e (iii) propor ações de cooperação a partir de investimento financeiro australiano para adaptação da região costeira de Tuvalu que tanto sofre por ocasião das mudanças climáticas.[1]

Por conta disto, a notícia correu o mundo e repercutiu, inicialmente, de forma bastante positiva, ainda que o seu alcance seja bilateral. Um dos principais pontos de destaque é o fato de se buscar reconhecer a tutela jurídica do migrante transfronteiriço que tem a sua vida ameaçada em Tuvalu por questão climática.

Sobre isso, vale destacar que: (i) não há no Direito Internacional qualquer instrumento de alcance global que preveja a proteção aos migrantes climáticos; (ii) as mudanças climáticas podem gerar fluxos migratórios, inclusive, transfronteiriços; (iii) a ausência de proteção jurídica aumenta a vulnerabilidade deste grupo de pessoas. Deste modo, ainda que tal compromisso não tenha alcance global, espera-se que este seja um primeiro passo para que se encontre uma resposta duradoura para a migração climática.

Pois bem, de plano, vale fazer uma breve contextualização sobre Tuvalu. Este Pequeno Estado Insular, localizado na Polinésia, sofre há anos com os efeitos das mudanças climáticas. Sua população de pouco mais de 11.000 (onze mil) habitantes têm sido impactada, por exemplo, com a erosão costeira, elevação do nível do mar e pela degradação das reservas de água doce por conta da invasão da água salgada.[2]

No que tange ao termo falepili, presente no título do tratado e que remete a uma palavra de origem tuvaluana, traduz-se a ideia de boa vizinhança, cujos membros possuem deveres de cuidado e respeito entre si. Noutras palavras, ao ser utilizada a palavra em comento, é possível extrair a noção de que as Partes buscaram (e buscarão) resgatar os propósitos do princípio da cooperação, o qual se caracteriza como um dos pilares da sociedade internacional.

O compromisso em comento contém 8 (oito) artigos, apresentando-se da seguinte forma: objetivo (artigo 1º), cooperação em matéria climática (artigo 2º), mobilidade humana com dignidade (artigo 3º), cooperação para segurança e estabilidade (artigo 4º), consulta e resposta sobre as obrigações do tratado (artigo 5º), resolução de disputas porventura oriundas do tratado (artigo 6º), emenda (artigo 7º) e, por fim, entrada em vigor, duração e extinção do tratado (artigo 8º).[3] Nesta coluna, vale destacar dois destes dispositivos.

O artigo 3º informa que a Austrália adotará meios especiais para que os tuvaluanos possam migrar de forma digna para a Austrália com a finalidade de viver, estudar e trabalhar. Não obstante, uma vez que ingressem neste país, os tuvaluanos teriam direito à educação, saúde e renda básica australiana, inclusive, com apoio familiar para os recém-chegados. Embora o tratado não mencione expressamente, as autoridades australianas declararam que a previsão é que sejam expedidos até 280 vistos especiais anuais para o cumprimento deste propósito.[4]

No que tange à nomenclatura, embora não tenha sido prevista a expansão do termo refugiado para albergar os tuvaluanos, o tratado reconheceu o caráter forçado e involuntário da mobilidade dos tuvaluanos em decorrência das mudanças climáticas e, por isso, criou uma maneira de proteger especificamente este grupo de pessoas.

No ponto, convém registrar que Sidney Guerra e Pedro Curvello Saavedra Avzaradel, em estudos anteriores sobre Tuvalu, já falavam da necessidade de se reconhecer a proteção específica aos indivíduos que migram pelas razões aqui apresentadas.[5]

Outro ponto que merece atenção é o artigo 4º dispõe, o qual dispõe que serão adotadas medidas de cooperação, em especial, a partir de ações do Governo australiano, quando solicitado, nos seguintes assuntos: (i) quando da ocorrência de uma grande catástrofe natural; (ii) na hipótese de surgimento de uma emergência de saúde pública de relevância internacional; e, por fim, (iii) caso haja agressão militar estrangeira ao território de Tuvalu.

No entanto, apesar das grandes expectativas geradas, no início deste ano de 2024, o novo Governo de Tuvalu sinalizou que pretende revisar os termos do Tratado da União Falepili, por entender que a atual redação compromete a sua soberania. Tal postura passou a ser adotada em razão de críticas ao fato de os tuvaluanos não terem sido consultados previamente sobre o acordo.[6]

Além disso, o novo Governo declarou que Tuvalu também pretende manter o seu compromisso em estabelecer um relacionamento especial e duradouro com Taiwan, o que representaria um aumento da influência da China no Pacífico.[7] Em tempos nos quais as grandes potências ocidentais tentam não perder poder para o país asiático, tal postura poderia ser interpretada como uma grande derrota. Ocorre que se especulou que a verdadeira intenção do Tratado da União Falepili seria instituir uma nova forma de colonialismo ocidental para tentar conter o avanço chinês na região.[8]

Fato é que, apesar das críticas, este compromisso é inovador e pode abrir portas para a ampliar a proteção do migrante climático. A despeito de toda a negociação política que merece a devida atenção, é preciso pensar que nesse ínterim, ainda há pessoas em situação de vulnerabilidade em razão das mudanças climáticas. Portanto, mais do que nunca, é preciso rememorar os princípios da cooperação internacional, não indiferença e solidariedade, pilares do Direito Internacional das Catástrofes, tese defendida em diversas oportunidades por Sidney Guerra, que se mostra aplicável ao caso dos migrantes climáticos.[9]

 

REFERÊNCIAS 

[1] AUSTRÁLIA. Department of Foreign Affairs and Trade. Australia-Tuvalu Falepili Union. Disponível em: <https://www.dfat.gov.au/geo/tuvalu/australia-tuvalu-falepili-union>. Acesso em: 03 Abr. 2024.

[2] BANCO MUNDIAL; BANCO ASIÁTICO DE DESENVOLVIMENTO. Climate risk country profile: Tuvalu. Disponível em: <https://climateknowledgeportal.worldbank.org/sites/default/files/2021-06/15824-WB_Tuvalu%20Country%20Profile-WEB.pdf>. Acesso em: 06 Abr. 2024.

[3] AUSTRÁLIA. Department of Foreign Affairs and Trade. Australia-Tuvalu Falepili Union Treaty. Disponível em: <https://www.dfat.gov.au/sites/default/files/australia-tuvalu-falepili-union-treaty.pdf>. Acesso em: 03 Abr. 2024.

[4] COMMONWEALTH CHAMBER OF COMMERCE. Australia to offer residency to hundreds from Tuvalu, nation at high risk from climate change. Disponível em: <https://commonwealthchamber.com/australia-to-offer-residency-to-hundreds-from-tuvalu-nation-at-high-risk-from-climate-change/>. Acesso em: 11 Nov. 2023.

[5] GUERRA, Sidney; AVZARADEL, Pedro Curvello Saavedra. O Direito Internacional e a figura do refugiado ambiental: reflexões a partir da ilha de Tuvalu. In: XVII Congresso Nacional do CONPEDI - Brasília, 2008, Brasília. XVII Congresso Nacional do CONPEDI - Brasília. Florianópolis: Fundação Boiteux, v. 1, 2008.

[6] FAA, Marian; DZIEDZIC, Stephen. Tuvalu's new prime minister indicates he will revisit deal that gives Australia control of island nation's security agreements. Disponível em: <https://www.abc.net.au/news/2024-02-28/new-tuvalu-pm-to-revisit-falepili-union/103521850>. Acesso em: 06 Abr. 2024.

[7] Idem.

[8] STEWART, Anthony. Tuvalu PM slams Kevin Rudd's proposal to offer Australian citizenship for Pacific resources as neo-colonialism. Disponível em: <https://www.abc.net.au/news/2019-02-18/tuvalu-pm-slams-kevin-rudd-suggestion-as-neo-colonialism/10820176>. Acesso em: 06 Abr. 2024.

[9] GUERRA, Sidney. O Direito Internacional das Catástrofes. Curitiba: Instituto Memória, 2021.

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