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Colunistas do Lepadia

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MIGRAÇÕES AMBIENTAIS, DIREITOS HUMANOS E O DIÁLOGO COM O DIREITO INTERNACIONAL DAS CATÁSTROFES

André Ricci de Amorim

Doutorando em Direito Internacional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Mestre em Direito Internacional Público e Europeu pela Universidade de Coimbra, Portugal. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pesquisador no LEPADIA. Advogado e Professor Universitário.

E-mail: andrericci_8@hotmail.com

        Ao pensar no progresso da nossa sociedade é impossível dissociá-lo da integração cada vez maior entre Estados e pessoas. Nesse contexto, o fenômeno da mobilidade humana se mostra presente e pode ser causado por inúmeras razões, sejam antropogênicas, naturais ou mistas. Há ainda de ser considerado o aspecto volitivo deste deslocamento.

           Assim, dentre esses indivíduos que migram, os refugiados configuram o grupo mais vulnerável. Em meio a conflitos por motivo de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a determinado grupo social ou político, o início da trajetória do refugiado é sempre conturbada. A dificuldade em deixar para trás sua terra, seu lar, sua rotina e tudo que um dia foi tão comum, agora se torna fundamental para sua sobrevivência, segurança e liberdade.

         Sem embargo, importa ressaltar, de igual modo, que nos últimos tempos tem sido discutido como o Direito Internacional lida com esses homens, mulheres e crianças que se deslocam por questões ambientais.

      Fato é que, conforme bem evidenciado por Richard Black, o termo “refugiado ambiental” não é novidade no meio acadêmico, posto que foi citado pela primeira vez por Lester Brown, pesquisador do World Watch Institute, ainda na década de 1970. No entanto, o termo ganhou notoriedade a partir da publicação dos trabalhos dos professores Essam El-Hinnawi, do Egyptian National Research Center, em 1985; e, posteriormente, Jodi Jacobson, em 1988.

            No artigo intitulado “Mudanças climáticas, refúgio e seus reflexos”, publicado anteriormente nesta Coluna e de autoria de Rinara Godoi, ressalta-se a dificuldade de se reconhecer a este grupo o mesmo tratamento jurídico conferido pela Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 1951 (ou Convenção de Genebra de 1951). Isso porque “o refugiado climático não se encaixa em nenhuma das hipóteses abarcadas pela convenção, fazendo com que essas pessoas que migram por motivos climáticos se tornem extremamente vulneráveis dependendo muita das vezes de determinações internas do Estado que estão migrando para definição de sua condição”.

           De igual modo, vale destacar que o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados já se manifestou acerca do uso das nomenclaturas “refugiado ambiental” e “refugiado climático”, no sentido de entender inadequadas por não terem fundamento no Direito Internacional dos Refugiados.

          Diante disto, a busca pela tutela jurídica do migrante ambiental estaria perdida? Não necessariamente. Convém explicar.

Em 2020, o Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas publicou suas conclusões sobre o caso envolvendo a deportação de Ioane Teitiota, nacional de Kiribati, no qual pleiteava acolhimento na condição de refugiado na Nova Zelândia.

          Na alegação de Teitiota, foi argumentado que a condição de vida no Kiribati se tornou extremante hostil em virtude das mudanças climáticas e do aumento do nível do mar. Deste modo, informou-se que ainda que as autoridades daquele país tenham buscado minimizar tais efeitos, os locais ainda padeciam com a escassez de água potável, erosão do solo e diminuição de áreas cultiváveis. Assim, em virtude de tanta precariedade e risco para si e sua família, Teitiota se viu forçado a buscar proteção internacional (no caso, na Nova Zelândia).

            No ponto, ainda que o órgão não tenha reconhecido haver elementos que pudessem tornar aplicável a Convenção de Genebra de 1951, foram feitas importantes considerações, em especial, ao afirmar que a degradação ambiental pode comprometer o bem-estar do indivíduo e, por isso, contribuir para a violação do direito à vida. Além disso, ratificou a necessidade de envolvimento da sociedade internacional em implementar medidas de proteção às vítimas das mudanças climáticas.

          Ora, o entendimento do Comitê abre flancos para (novos) meios de proteção ao relacionar migração ambiental e direitos humanos. Assim, insta ressaltar que um dos eixos temáticos do LEPADIA pode ser associado ao assunto, a saber: o Direito Internacional das Catástrofes, tese defendida pelo coordenador do grupo, Professor Doutor Sidney Guerra.

Em 2021, o Professor Sidney Guerra publicou o artigo intitulado “As mudanças climáticas como catástrofe global e o refugiado ambiental” no qual considera “as mudanças climáticas como a principal ameaça global, na perspectiva de possíveis cenários de catástrofes” e, por isso, ressalta a necessidade de reconhecimento do refúgio ambiental.

        É bem verdade que os desafios de ampliação do rol da Convenção de Genebra de 1951 são grandes. Todavia, considerando o avanço da matéria tal qual ocorrido no âmbito do Comitê de Direitos Humanos da ONU, não nos parece inviável que os migrantes ambientais possam, enfim, gozar de proteção específica no âmbito internacional. Ao contrário, de acordo com o Professor Sidney Guerra, essa seria uma forma de evitar o “limbo jurídico” no qual essas pessoas se encontram e, deste modo, conferir o tratamento adequado para suprir suas demandas.

       Noutras palavras, ainda que não seja ampliado o rol da Convenção de Genebra 1951 não há como a sociedade internacional pemanecer silente para a dramática situação vivida por tantos que se veem forçados a deixarem seu local de origem por questões ambientais. De fato, o cenário em muitos lugares é catastrófico e a busca por solução é urgente.

 

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ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA OS REFUGIADOS. Climate change, natural disasters and human displacement: a UNHCR perspective, 2009, p. 8. Disponível em: <http://www.refworld.org/docid/4a8e4f8b2.html#_ga=1.142270706.1503118157.1485366719>. Acesso em: 16 Jun. 2022.

BLACK, Richard. Environmental Refugees: myth or reality? In: New Issues in Refugee Research, United Nations High Commissioner for Refugees. Working Paper n. 34, p. 1-20, 2001.

GUERRA, Sidney. As mudanças climáticas como catástrofe global e o refugiado ambiental. Revista Estudos Institucionais, v. 7, p. 537-559, 2021.

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