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Colunistas do Lepadia

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DIREITO INTERNACIONAL DOS POVOS INDÍGENAS, CIDH E O (DES)RESPEITO INSTITUCIONAL BRASILEIRO

André Luiz Valim Vieira

Bacharel e Mestre em Direito pela UNESP. Doutor em Ciências Sociais (Relações Internacionais e Desenvolvimento) pela UNESP. Pesquisador e membro do Laboratório de Estudos e Pesquisas Avançadas em Direito Internacional e Ambiental da Universidade Federal do Rio de Janeiro (LEPADIA-UFRJ). Advogado.

E-mail: alv.vieira@unesp.br

Segundo consta do Dicionário da Língua Portuguesa (DLP) da Academia Brasileira de Letras (ABL) o termo “tupiniquim” se refere a um adjetivo, ou seja, consiste em uma qualidade ou em uma atribuição condizente àquilo que tem sua origem no Brasil. Embora muitas vezes se apresenta utilizado como um termo pejorativo ou como uma designação desvalorativa; certo é que constitui forma de reconhecimento nacional. Infelizmente, tratando-se de temas ou problemas relacionadas às questões étnicas ou aos povos tradicionais e originários brasileiros, os indígenas, a prática institucional brasileira igualmente – como a palavra “tupiniquim” – apresenta-se como desfalecente de proteção, com intensa desvalorização e afronta aos direitos constitucionais e aos direitos humanos reconhecidos internacionalmente. Uma proteção jurídica e social insuficiente e ineficaz, para não se dizer institucionalmente pejorativa!

Nas palavras de um nativo, um digno representante dos povos tradicionais e originários brasileiros, um xamã yanomami: assistimos a uma concertada maquinação política que tem como alvo, entre outros, os territórios indígenas. Para David Kopenawa, seu objetivo é a liberação (a desproteção jurídica) do máximo possível de terras públicas, de todos aqueles espaços sob regimes tradicionais ou populares de territorialização.[1]

No Direito Internacional a proteção jurídica dos povos indígenas, originários, tradicionais e tribais tem seus direitos previstos em dois importantes instrumentos normativos: a Convenção nº. 169 da OIT, adotada pela Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, em 07 de junho de 1989; e, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, aprovada pela Assembleia Geral da ONU, em 13 de dezembro de 2007.

Em que se pese do avanço significativo da proteção internacional enquanto reconhecimento e positivação dos direitos dos povos indígenas, contudo, não se pode olvidar da necessidade de pensar nos direitos e meios de garantia de factibilidade aos povos originários sob suas próprias perspectivas. Logo, juntamente com o reconhecimento internacional partindo dos órgãos internacionais se mostra imperioso (re)pensar as necessidades, anseios e interesses não sob o ponto de vista colonizador; e sim, sobretudo, sob a ótica dos colonizados, dos rejeitados, dos esquecidos; ou seja, de maneira intercultural, da periferia, para além das concepções judaico-cristãs, capitalistas ou centrados no “eu”.[2] Até porque qualquer concepção descolonial e plural – mais próxima dos povos originários – será sempre coletiva, ambientalmente sustentável, holística e harmonizadora.

Contemporaneamente, direitos que antes dessas normas internacionais eram tidos como duvidosos ou inexistentes passaram, portanto, a ter significação real e transformando o paradigma informativo das medidas legislativas, judiciais e de políticas sociais de transformação e inclusão. Questões relacionadas ao princípio da não-discriminação; ao direito dos povos sobre a posse e/ou propriedade das terras tradicionalmente originárias; respeito à sua cultura, língua, organização e modos de produção; participação ativa e direta nas ações de seus interesses; direito a ser consultados e de expressar consentimento ou inconformidade sobre medidas políticas ou administrativas que possam afetá-los; entre outros.

A proteção aos povos indígenas e demais povos tribais ou originários, todavia, não pode se apresentar unicamente como políticas governamentais ou de implementação apenas como projeto político de determinados grupos partidários ou ideologicamente vinculados à causa indígena. A proteção e efetivação dos direitos dos povos tradicionais pressupõe um compromisso do Estado-nação, como uma ação institucional efetiva e eficiente: materialmente necessária e reconhecidamente eficaz.

As Constituições, como carta política fundamental e primordial de direitos, devem ser o ponto de confluência das proteções e medidas ativas de direitos aos povos indígenas. Encontrando ressonância ainda em diálogo permanente com os tratados e normas internacionais de proteção de direitos dessas minorias.[3] Assim é feito pela Constituição do Equador (2008) ao afirmar – no Artigo 57 – que são reconhecidos e garantidos às comunas, comunidades, povos e nacionalidades indígenas, em conformidade com a Constituição e com os pactos, convenções, declarações e demais instrumentos internacionais de direitos humanos.

Enquanto a Constituição da Colômbia (1991) prevê – no Artigo 287 – que (os territórios indígenas) são entidades territoriais possuem autonomia para a gestão de seus interesses, dentro dos limites da Constituição e da lei. Em tal virtude terão os seguintes direitos: governar-se por autoridades próprias.” Para a Constituição da Bolívia (2009): “Artigo 2: Dada a existência pré-colonial das nações e povos indígenas, originários camponeses e seu domínio ancestral sobre seus territórios, se garante sua livre determinação no marco da unidade do Estado, que consiste em seu direito à autonomia, ao autogoverno, à sua cultura, ao reconhecimento de suas instituições e à consolidação de suas entidades territoriais, conforme esta Constituição e a lei”.

Mais do que urgente ainda o reconhecimento dos direitos indígenas e dos povos originários ao “direito de desintrusão” como no Caso do Poxo Xukuru de Ororubá em julgamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos.[4] Basicamente, a desintrusão significa retirar de uma área àqueles que se apossaram ilegalmente de uma área de outrem. Mais especificamente, relaciona-se com a retirada – inclusive mediante decisão judicial, se necessária – de ocupantes ilegais de áreas reconhecidas e regularizadas como sendo terras indígenas, reservas ambientais, territórios quilombolas ou de outros povos e populações tradicionais.

O Brasil, desde 1500, não oportuniza aos povos indígenas a proteção merecida a suficiente. Ainda que com o avanço da proteção constitucional da Carta de 1988 outros embates cotidianos – jurídicos e políticos – demonstram a insuficiência da proteção institucional. Quando imaginamos avanços, desdenham inúmeros retrocessos: desde fixações de “marco jurídico-temporal” ilógicos sob fundamento da proteção integral, até o desprezo pela fundação de proteção aos índios por parte do Governo Federal e sua política de “genocídio indígena”.

Tanto é assim que, recentemente, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) editou a Resolução nº.50/2022, divulgada em 02 de outubro de 2022, com a concessão de medidas cautelares contra o Estado brasileiro e em favor dos membros da comunidade Guapo’y, do povo indígena Guarani Kaiowá, no Estado de Mato Grosso do Sul. Para a comissão de direitos humanos a medida cautelar se justificaria ante a gravidade da situação, a urgência e o risco de dano irreparável.[5] Há conflito possessórios entre grupos indígenas e proprietários privados, ocorrendo no Município de Amambai, inclusive com violência, ameaças e mortes de indígenas.

Na decisão cautelar da Comissão Interamericana de Direitos Humanos se ordena que o Brasil: a) adote as medidas necessárias e culturalmente adequadas para proteger o direito à vida e integridade pessoal dos membros da comunidade Guapo’y do Povo Indígena Guarani Kayowá. Além disso, o Estado deve assegurar que se respeitem os direitos dos beneficiários em conformidade com os padrões estabelecidos pelo direito internacional dos direitos humanos, com relação a atos de risco atribuíveis a terceiros; b) acorde as medidas a serem adotadas com as pessoas beneficiárias e/ou seus representantes; e c) informe sobre as ações implementadas para investigar os fatos que deram lugar à adoção da presente medida cautelar e assim evitar sua repetição.

Percebemos, portanto, que toda proteção e reconhecimento dos direitos dos povos indígenas no Brasil é resultado de processos judiciais de luta e reivindicação, especialmente considerando ao papel omissivo exercido pela FUNAI e pelas demais instituições do Estado brasileiro nos últimos anos. Muito distante de uma realidade protetiva real e sistematicamente condizente com a Constituição de 1988 e em consonância com as normativas jurídicas e a jurisprudência internacionais.

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[1] ALBERT, Bruce Albert; KOPENAWA, Davi. A Queda do Céu: Palavras de xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras, 2019, p. 19.

[2] TRIGO, Germán Medardo Sandoval. La libre autodeterminación de los pueblos en el siglo XXI: Una aproximación de la historia del colonialismo y el neo-colonialismo desde los pueblos del tercer mundo en el derecho internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 15, n. 1, 2018 p.90-104.

[3] GALVIS, Maria Clara; FORERO, Marianela Fuertes. Manual para defender os direitos dos povos indígenas. Washington: Due Processo f Law Foundation, 2018.

[4] NÓBREGA, Flavianne Fernanda Bitencourt; PAFFER, Maria Eduarda Matos de; NASCIMENTO, Anne Heloise Barbosa do. Ius Constitutionale Commune e o direito indígena brasileiro: os impactos da decisão do caso Povo Xukuru versus Brasil na jurisprudência e na administração pública nacional. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 11, n. 2. p.621-6.

[5] CIDH concede medidas cautelares a membros da comunidade Guapoy do Povo Indígena Guarani Kaiowá em relação ao Brasil. Disponível em: CIDH concede medidas cautelares a membros da comunidade Guapoy do Povo Indígena <i>Guarani Kaiowá</i> em relação ao Brasil (oas.org)

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