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Colunistas do Lepadia

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DIÁLOGO TRANSNACIONAL EM DIREITO INTERNACIONAL AMBIENTAL: PROTEÇÃO ECOLÓGICA INSUFICIENTE E NORMATIZAÇÃO DOS PADRÕES DE QUALIDADE DO AR

André Luiz Valim Vieira

Bacharel e Mestre em Direito pela UNESP. Doutor em Ciências Sociais (Relações Internacionais e Desenvolvimento) pela UNESP. Pesquisador e membro do Laboratório de Estudos e Pesquisas Avançadas em Direito Internacional e Ambiental da Universidade Federal do Rio de Janeiro (LEPADIA-UFRJ). Advogado.

E-mail: alv.vieira@unesp.br

          O direito ambiental se apresenta como uma área de conhecimento e de políticas públicas – quanto às ações e omissões – que dizem respeito diretamente à vida, à dignidade humana, à saúde, à segurança, e mais uma universalidade de direitos que encontram ressonância e previsão no ordenamento jurídico interno, de cada Estado Democrático, bem como em diversas normativas internacionais. Por essas e outras razões que o direito internacional ambiental se materializa em uma necessidade e uma imprescindibilidade do mundo contemporâneo.

         O direito internacional ambiental consiste então em um conjunto de normas que criam direitos e deveres para os vários atores internacionais (e não apenas para os Estados), numa perspectiva ambiental, atribuindo igualmente responsabilidades e papéis que devem ser observados por todos no plano internacional, visando a melhoria da vida e qualidade de vida, para as presentes e futuras gerações.[1] Uma dos principais atributos do direito internacional em uma perspectiva ambiental é justamente por se substanciar em um conjunto de ações que se determinam a: prever regras, normativas e previsões jurídicas sobre os direitos relativos à proteção do meio ambiente e de preservação / reestruturação ecológicas; e, igualmente, em estabelecer padrões e limites às atividades que possam resultar em poluição, degradação, destruição ou esgotamento dos recursos naturais e ambientais.

         Entre os elementos que compõem um meio ambiente ecologicamente equilibrado e que possa resultar em condições suficientes para a manutenção da vida de todos os seres vivos é o da qualidade do ar. Afinal, todos os seres que utilizam e necessitam do oxigênio (O2) e do ar atmosférico, mediante o funcionamento de um sistema respiratório com troca de gases – mediante inspiração do oxigênio e expiração do dióxido de carbono (CO2) – são diretamente afetados pelos efeitos de sua poluição do ar.

      Assim, a poluição do ar tem sido há muito tempo uma das mais concretas preocupações mundiais. O avanço da industrialização nos séculos pretéritos, o aumento exponencial dos meios de transporte, as inovações tecnológicas   são exemplos de como o ar é afetado pela ação humana. Inúmeros estudos, cada vez mais aprofundados, têm identificado que a degradação ambiental do ar é responsável pela morte de milhares de pessoas e produzido incalculáveis danos à saúde humana.

No Brasil, a partir do primado constitucional da proteção ao meio ambiental, cabe aos órgãos de proteção ecológica o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental e níveis máximos de poluição ou impurezas quanto ao ar, à água, aos alimentos, entre outros. Esta prerrogativa é exercida pelo CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente). Em âmbito internacional, compete à OMS (Organização Mundial de Saúde) a fixação desses parâmetros nas relações e diálogos entre os Estados nacionais.

        O tema da qualidade ambiental e o estabelecimento de padrões de qualidade do ar, portanto, representam uma das possibilidades de diálogo transnacional entre fontes normativas diversas: entre os regramentos internos e os internacionais. Até por que a poluição do ar não se restringe aos limites territoriais, geográficos ou de soberania. Na maioria das vezes, o poluente atmosférico não se restringe apenas ao seu local de produção ou emanação: alcança níveis regionais, extranacionais e internacionais.

        Internamente, a Resolução CONAMA 491/2018, prescreve como poluente atmosférico qualquer forma de matéria em quantidade, concentração, tempo ou outras características, que tornem ou possam tornar o ar impróprio ou nocivo à saúde, inconveniente ao bem-estar público, danoso aos materiais, à fauna e flora ou prejudicial à segurança, ao uso e gozo da propriedade ou às atividades normais da comunidade. Outrossim, o padrão de qualidade do ar representa, pois, um dos instrumentos de gestão da qualidade do ar, determinado como valor de concentração de um poluente específico na atmosfera, associado a um intervalo de tempo de exposição, para que o meio ambiente e a saúde da população sejam preservados em relação aos riscos de danos causados pela poluição atmosférica.

      Esta normativa nacional, embora utilize como referência os valores guia de qualidade do ar recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgados em 2005, a resolução não dispõe de forma eficaz e adequada sobre os padrões de qualidade do ar, prevendo valores de padrões iniciais muito permissivos, deixando de fixar prazos peremptórios para o atingimento das sucessivas etapas de padrões de qualidade de ar e apresentando procedimento decisório vago. A resolução, ademais, não garante a disponibilização de informações claras e acessíveis sobre a qualidade do ar que deve ser mantido à população.

          Em 2005, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou uma atualização de suas conhecidas diretrizes de qualidade do ar (air quality guidelines), com base em estudos científicos de alto nível. Esses guias são valores de concentração fixados para determinados poluentes atmosféricos, considerados como limite para indicar o menor risco à saúde, e devem servir de parâmetro para os Estados nacionais na elaboração de seus padrões de aferição da qualidade do ar.

        Quando falamos de poluição do ar, por mais que não existam níveis inofensivos para a saúde humana (uma vez que, marginalmente, os grupos mais vulneráveis podem sempre ser afetados, inclusive com concentrações baixíssimas de poluentes), o fato é que as diretrizes da OMS se prestam como um limiar (ou um ponto ótimo) confiável — por ser cientificamente lastreado — para a aferição dos menores efeitos adversos da contaminação atmosférica sobre a saúde.

      Deve-se ressaltar que quaisquer valores toleráveis poluição do ar que sejam fixados em patamar superior aos recomendados pela OMS implicam, necessariamente, uma escolha do Estado por um determinado nível de desproteção à saúde da população e ao meio ambiente. Do mesmo modo, qualquer nível de proteção em menor proporção aos estabelecidos internacional demandam em uma negativa de proteção ambiental interna, em uma proteção normativa insuficiente, em desrespeito à vida e às principais cartas de direitos humanos.

            Embora a Resolução CONAMA n.º 491/2018 objetive atingir, no padrão final, os valores apresentados pela OMS em 2005, não estabelece prazos entre as etapas intermediárias e a etapa final; estimulando a inércia, o comodismo e a estagnação dos agentes estatais. Afinal, a razão de existência de padrões intermediários é que eles efetivamente funcionem como metas provisórias, que conduzam de forma escalonada ao atingimento de padrões finais. Para isso, seria necessária a existência de mecanismos e prazos que possam efetivamente estimular a progressão para os padrões mais restritivos ao longo do tempo. Não é o que ocorre: dada a proteção insuficiente aos direitos à informação, à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado afetando diretamente o direito a uma vida saudável e digna.

            De outra forma, a Resolução CONAMA 491/2018 ainda prejudica os cidadãos, por não fornecer conceito delimitador para cada um dos três níveis de episódios críticos de poluição do ar (atenção, alerta e emergência) em termos de efeitos sobre a saúde, nem indicar as medidas preventivas e corretivas a serem tomadas em cada tipo de episódio. Ou seja, o Brasil estabelece uma proteção insuficiente quanto aos limites e prazos de adequação de emissões atmosféricas, poluições e partículas que causam danos à saúde e ao meio ambiente.

         A Procuradoria Geral da República, a partir de representação da Procuradoria Regional, propôs em 2019 uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN 6148/DF) no Supremo Tribunal Federal[2] argumentando pela inconstitucionalidade da Resolução CONAMA 491/2018. O Tribunal Constitucional, ao julgar o caso em maio de 2022, decidiu ser ainda constitucional a Resolução CONAMA 491/2018, em caminho para inconstitucionalidade. Porém, aplicando o diálogo transnacional ambiental determinou que, no prazo de 24 (vinte e quatro meses), isto é, dois anos a contar da publicação do acórdão, o CONAMA edite nova resolução sobre a matéria, a qual deverá levar em consideração: 

  1. as atuais orientações da Organização Mundial da Saúde sobre os padrões adequados da qualidade do ar; 

  2. a realidade nacional e as peculiaridades locais; bem como 

  3. os primados da livre iniciativa, do desenvolvimento social, da redução da pobreza e da promoção da saúde pública;

           Ademais, se decorrido o prazo de vinte e quatro meses, sem a edição de novo ato normativo que represente avanço material na política pública relacionada à qualidade do ar, passarão a vigorar os parâmetros estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) enquanto perdurar a omissão administrativa na edição da nova resolução.

Portanto, até 2024 os padrões previstos pela OMS em 2005 como referenciais de qualidade do ar deverão ser seguidos normativamente pelo Brasil. Um avanço em relação às normativas anteriores – Resoluções CONAMA 03/1990 e 491/2018 – todavia, ainda muito distante da realidade das necessidades humanais mais atualizadas. Isto porque, em 2021, foram estabelecidas pela OMS novas Diretrizes Globais de Qualidade do Ar[3]. Enquanto em 2024 nosso país terá parâmetros estabelecidos em 2005, destaque-se, um avanço na proteção ambiental do ar; ainda assim, distante de sua realidade e mais atual diretriz internacional.

            A proteção constitucional do meio ambiente ecologicamente equilibrado quanto ao tema da qualidade do ar, portanto, pressupõe uma atividade do Poder Público normatizando nacionalmente os limites e condições toleráveis de qualidade do ar em parâmetros mínimos como fixados pela OMS ou em um nível maior de proteção conforme as escolhas políticas governamentais. Contudo, caso haja omissão brasileira não suprida no prazo de até dois anos, considerar-se-ão como parâmetros nacionais àqueles fixados internacionalmente realizando assim um diálogo transnacional entre as fontes normativas de direito ambiental.

 

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[1] GUERRA, Sidney. Direito Internacional Ambiental: Breve Reflexão. Revista Direitos Fundamentais e Democracia, vol. 02, n. 02, jul.-dez. 2007.

[2] STF, ADI 6148/DF, Plenário, Rel. Min. Carmen Lúcia, Rel. para Acórdão Min. André Mendonça, julgado em 05 de maio de 2022. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5707157. Acesso em 23 de junho de 2022.

[3] WHO global air quality guidelines. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/345329/9789240034228-eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em 23 de junho de 2022.

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