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Colunistas do Lepadia

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COMPREENDENDO A TARIFA EXTERNA COMUM DO MERCOSUL

Brenda Maria Ramos Araújo

Graduação em Direito pela PUC-Rio, mestrado em Direito Internacional pela UERJ, doutoranda em Direito Internacional pela UERJ, bolsista CAPES, pesquisadora do LEPADIA e do GPDI.

E-mail: brendamariara@gmail.com

         O Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) foi criado por meio do Tratado de Assunção de 1991 e representa a institucionalização do processo de integração regional do Cone Sul, estando em consonância com um dos objetivos da política externa brasileira elencados no artigo 4° da Constituição Federal. Originalmente, foi integrado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Em 2012, a Venezuela também passou a integrar o MERCOSUL, e a Bolívia está em processo de adesão. Já Bolívia, Chile, Colômbia, Guiana, Equador, Peru e Suriname são Estados associados que firmaram acordos de livre comércio com a organização e podem, quando convidados, participar de reuniões dos órgãos sem direito de voto.

       Segundo o artigo 1° do Tratado de Assunção, o objetivo do MERCOSUL é estabelecer um mercado comum. Inicialmente, a data planejada para a sua conclusão era 31 de dezembro de 1994. Segundo esse mesmo artigo, esse mercado comum deve abranger:

 

A livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não tarifárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente;

O estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a coordenação de posições em foros econômico-comerciais regionais e internacionais;

A coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados Partes de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de serviços, alfandegárias, de transporte e comunicações e outras que se acordem, a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados Partes, e

O compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração.

 

            Até hoje, contudo, o MERCOSUL não passa de uma união aduaneira incompleta com uma grande lista de exceções à Tarifa Externa Comum (TEC). Em Direito da Integração e Direito Comunitário, Diego Machado e Florisbal Del’Olmo identificam cinco etapas possíveis de integração regional: zona de livre comércio, união aduaneira, mercado comum, união econômica e monetária e união política. Essa divisão didática permite a melhor compreensão do estágio atual de integração do Cone Sul.

           A zona de livre comércio é representada pela eliminação de direitos alfandegários e outras formas de restrição comercial para alguns bens, gerando a livre circulação de alguns produtos entre os Estados participantes. A união aduaneira é caracterizada pelo estabelecimento de uma tarifa externa e uma política comercial comum para o comércio de produtos originários de fora dessa união. O mercado comum seria a presença tanto do livre comércio como da união aduaneira, formando um espaço de livre circulação de bens, serviços, capitais e mão de obra. A união econômica e monetária teria origem com a implementação de uma moeda única emitida por um banco central independente. Por fim, a união política seria a formação de uma confederação, a elaboração de um governo supranacional e de uma constituição.

          Dessa forma, a Tarifa Externa Comum é fundamental para caracterizar o nível de integração do MERCOSUL. A TEC é a tarifa que os membros da organização adotam para as importações que são feitas de outros Estados que não fazem parte do MERCOSUL. Como já foi afirmado, essa TEC foi desmoralizada por medidas unilaterais e uma grande lista de exceções, o que caracteriza o bloco como uma união aduaneira incompleta. Nesse sentido, Alcide Vaz, em 2001, no artigo Mercosul aos dez anos: crise de crescimento ou perda de identidade?, já identificava o que continua sendo um dos principais problemas da integração:

 

observa-se a recorrência de ações unilaterais e de medidas restritivas ao comércio, além da consagração de formas de comércio regulado, como os acordos de restrição voluntária de exportações. Esses fatos revelam a alta permeabilidade dos governos às demandas setoriais por tratamento excepcional e que se acentuam notadamente nos momentos de crise econômica e de instabilidade política. Revelam também dificuldades de conciliar interesses que nutriram-se da negligência benevolente para com o tratamento de questões afetas à política industrial dos dois países e que ganham relevo quando o crescimento econômico irrompe como objetivo fundamental para cada um dos países. Dessa forma, torna-se particularmente complexo o esforço de restaurar e consolidar a tarifa externa comum.

 

         Em sua criação, o MERCOSUL precisou superar um grande desafio que era o desacordo entre os membros sobre o processo de globalização, o desenvolvimento, as relações com os Estados Unidos e a segurança internacional. Além disso as discrepâncias entre as economias dos membros originários levaram à adoção de um regime de transição antes de ser adotada a fase de união aduaneira.

          Essa fase teve seu início em 1994, com a Decisão 22/94 do Conselho Mercado Comum, que criou a TEC. Ela só seria de fato implementada em 1995, iniciando o longo caminho do MERCOSUL ao estabelecimento de uma união aduaneira incompleta. A TEC é integrada por diversos níveis tarifários que objetivam evitar a formação de oligopólios ou reservas de mercado. Ela deveria ter um pequeno número de alíquotas, baixa dispersão, a maior homogeneidade possível das taxas de promoção efetiva e de proteção efetiva e níveis de agregação de seis dígitos para a definição das alíquotas. Em seu início, a TEC tinha onze níveis de alíquotas, variando entre 0% até 20%, sendo que produtos com maior valor agregado tinham uma TEC maior. Além disso, para a determinação da TEC outras questões eram consideradas, como o abastecimento regional de insumos.

         No entanto, a adoção da união aduaneira foi feita de forma incompleta, com o intuito de alcançar essa fase gradualmente foram estabelecidas listas de exceções nacionais e listas setoriais. Cabe a cada Estado parte estabelecer sua lista de exceções, e o MERCOSUL fica responsável por regular a extensão delas. Atualmente, essa regulamentação estipula um número máximo de 100 itens nas listas da Argentina e do Brasil, 225 para Uruguai (100 básicos e 125 adicionais) e 649 para Paraguai (100 básicos, 150 adicionais e 399 previstas no art. 4 da Decisão do CMC 07/94).

Já as listas setoriais são dedicadas aos Bens de Capital e Informática e Telecomunicações que estão excluídos da TEC. Além disso, a política automotriz foi negociada em separado, sendo objeto de acordos bilaterais. O setor açucareiro também foi inicialmente excluído da TEC.

          Já tendo comemorado o seu aniversário de 30 anos, o MERCOSUL ainda está longe de adotar uma TEC convergente para todos os membros. De forma unilateral, sem o consenso do MERCOSUL, o Brasil realizou dois cortes na TEC, uma vez em novembro de 2021 e a outra em maio de 2022 para enfrentar os efeitos econômicos da pandemia de COVID-19. Durante reunião do Conselho do Mercado Comum, no dia 20 de julho de 2022, o MERCOSUL chegou a um consenso sobre a redução em 10% das alíquotas da TEC para cerca de 80% do universo tarifário, respeitando as listas nacionais de exceções.

          Parece ser uma medida positiva, que demonstra a capacidade dos Estados participantes de alcançar um consenso em momentos de incertezas na economia mundial. Essa foi a primeira revisão horizontal desde que a TEC foi estabelecida em 1995. Essa redução aproximará o Cone Sul da média praticada pelos países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Na mesma data, MERCOSUL e Singapura anunciaram a conclusão das negociações do acordo de livre comércio que tinham sido iniciadas em 2018. É o primeiro acordo com um país da Ásia, somando-se aos acordos já existentes com Israel, Egito e Palestina. Espera-se que essa revisão da TEC em consenso seja anúncio de que as modificações unilaterais tenham ficado no passado do MERCOSUL, que começa mais uma vez sua caminhada para uma união aduaneira com a harmonização da política comercial externa entre os Estados participantes.

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