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BRENDA ARAUJO é graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2013), especialização em pós-graduação em relações internacionais pelo Damásio Educacional (2016) e mestrado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2018). Atuando principalmente nos seguintes temas: história do direito internacional público, Cortes Mundiais, Jurisdição Internacional.

04
Outubro 
2024

UMA LEITURA DO DISCURSO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL NA ABERTURA DA 79ª ASSEMBLEIA GERAL DA ONU COM BASE NO DIREITO INTERNACIONAL DAS CATÁSTROFES

 

No dia 24 de setembro de 2024, ocorreu a abertura da 79ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, cuja tema é “Não deixar ninguém para trás: Agindo juntos para o avanço da paz, do desenvolvimento sustentável e da dignidade humana para as gerações presentes e futuras”. Seguindo a tradição, o Brasil, pelo discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, inaugurou o Debate Geral dessa sessão com a participação dos Chefes de Estado e de Governo dos 193 Estados Membros da ONU. O discurso do presidente brasileiro revelou uma grande preocupação com os cenários de catástrofes que marcam a sociedade internacional contemporânea.

O objetivo deste texto será encontrar pontos do discurso que estão em sintonia com o Direito Internacional das Catástrofes. Infelizmente, o primeiro quartel do século XXI confirmou-se como uma era de catástrofes, sendo inaugurado já pelo ataque terrorista ao World Trade Center no dia 11 de setembro de 2001, seguido pela crise financeira de 2008, pelo tsunami e subsequente catástrofe nuclear no Japão em 2011, pela pandemia covid-19 em 2020 e pelos recentes desenvolvimentos ligados à questão da mudança climática, como as enchentes no Paquistão em 2022, e pelos conflitos entre Israel e Hamas e entre Rússia e Ucrânia. É inegável que as catástrofes são o maior problema da sociedade internacional hodiernamente, sendo o centro do debate da 79ª sessão como ficou demonstrado na fala da maior parte dos Chefes de Estado e de Governo, incluindo o presidente brasileiro.

O discurso do presidente brasileiro considera que existe uma grande dificuldade em negociações e diálogos em situações multilaterais apesar de os problemas que envolvem questões existenciais estarem aumentando. Nas palavras do presidente Lula: “Seu (Pacto para o Futuro) alcance limitado também é a expressão do paradoxo do nosso tempo: andamos em círculos entre compromissos possíveis que levam a resultados insuficientes.” Lula também recorda que mesmo tendo enfrentado situações como a pandemia da COVID-19, a sociedade internacional não conseguiu estabelecer um tratado para enfrentar futuras pandemias. Partindo do posicionamento do presidente, é possível afirmar que o Direito Internacional das Catástrofes é a única forma de solucionar de maneira definitiva as múltiplas situações de catástrofes. Não adianta procurar soluções fragmentadas e mais fáceis de serem negociadas que não surtirão efeitos permanentes. Enquanto a sociedade internacional não reconhecer que precisa de uma regulamentação que proteja os interesses da humanidade em ocasiões de ameaças existências o problema não terá solução.

O presidente também demonstrou preocupações com catástrofes nucleares e conflitos armados: “2023 ostenta o triste recorde do maior número de conflitos desde a Segunda Guerra Mundial. Os gastos militares globais cresceram pelo nono ano consecutivo e atingiram 2,4 trilhões de dólares. Mais de 90 bilhões de dólares foram mobilizados com arsenais nucleares.” Lula reconheceu que os gastos militares estão aumentando, mas os gastos para a solução de problemas globais estão defasados. Infelizmente, organizações internacionais têm enfrentado crises orçamentárias em parte pelo aumento do número de situações de catástrofes que se somam aos gastos habituais dessas entidades. A falta de preparo para as catástrofes pode ser resolvida com a criação de um fundo internacional direcionado à prevenção, superação e minimização de catástrofes.

Lula destacou a desigualdade inerente às instituições financeiras internacionais, o Banco Mundial e o FMI. Alertou que a normativa financeira internacional atual divide os países entre credores e devedores, beneficiando apenas Estados mais ricos: “Países da África tomam empréstimo a taxas até 8 vezes maiores do que a Alemanha e 4 vezes maior que os Estados Unidos. É um Plano Marshall às avessas, em que os mais pobres financiam os mais ricos. Sem maior participação dos países em desenvolvimento na direção do FMI e do Banco Mundial não haverá mudança efetiva.” O sistema financeiro internacional não considera que a proteção do interesse da sociedade internacional é o seu maior objetivo. Por essa razão, não consegue solucionar situações de catástrofes financeiras e econômicas. Se o objetivo inicial do Banco Mundial, quando era o Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento, era auxiliar a Europa após a catástrofe da Segunda Guerra Mundial, ele não consegue mais atuar na reestruturação dos Estados que sofrem por catástrofes atuais, como a COVID-19, as mudanças climáticas e catástrofes financeiras.

Por fim, o presidente declarou a necessidade de reforma da governança global, principalmente, da ONU. Lula ressaltou que é preciso democratizar a estrutura da ONU: “Não podemos esperar por outra tragédia mundial, como a Segunda Grande Guerra, para só então construir sobre os seus escombros uma nova governança global. A vontade da maioria pode persuadir os que se apegam às expressões cruas dos mecanismos do poder. Neste plenário ecoam as aspirações da humanidade. Aqui travamos os grandes debates do mundo. Neste foro buscamos as respostas para os problemas que afligem o planeta. Recai sobre a Assembleia Geral, expressão maior do multilateralismo, a missão de pavimentar o caminho para o futuro.” Em verdade, problemas globais como as catástrofes em seus mais diversos cenários só podem ser resolvidos com soluções globais. Enquanto a sociedade internacional não encontrar uma organização internacional que possa representar os interesses da humanidade como um todo e não apenas da soma dos Estados, não será possível defender nosso destino compartilhado e não deixar ninguém para trás.

   

Sugestões para aprofundar o tema:

 

BRASIL. Lula abre a 79ª Assembleia Geral da ONU. Veja íntegra e principais pontos do discurso. Disponível em: https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202409/lula-abre-79-assembleia-geral-da-onu-veja-integra-e-principais-pontos-do-discurso. Acesso em: 02 out. 2024.

 

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. 79ª sessão da Assembleia Geral da ONU: cobertura especial da ONU News. Disponível em: https://news.un.org/pt/events/cobertura-da-79a-sessao-da-assembleia-geral-da-onu Acesso em: 02 out. 2024.

03
Julho 
2024

EVITANDO UMA CATÁSTROFE NUCLEAR IMINENTE: O PROGRAMA NUCLEAR IRANIANO E AS SANÇÕES DOS ESTADOS UNIDOS

 

No dia 27 de junho de 2024, o Secretário de Estado, Antony J. Blinken, anunciou novas sanções contra o Irã após este país adotar novas medidas de expansão de seu programa nuclear. As novas sanções estão relacionadas a três empresas de petróleo e petroquímicos e a 11 navios que realizam o transporte para essas empresas. Essas sanções aparecem em sintonia com o que foi decidido pelos países integrantes do G7. No dia 14 de junho, os países do G7 já tinham alertado ao Irã que seriam adotadas novas medidas caso o país continuasse a expandir o seu programa nuclear.

É importante compreender que essa nova rodada de sanções foi adotada em oposição ao que foi indicado por Rosemary DiCarlo, a subsecretária-geral para Assuntos Políticos da Organização das Nações Unidas, em 18 de dezembro de 2023. Nessa data, Rosemary destacou a importância de retomar o Plano de Ação de 2015 e de seguir a resolução 2231 (2015) do Conselho de Segurança, ambos estabelecendo regras sobre o programa nuclear iraniano para garantir seu objetivo pacifista. Para isso, o Irã necessitaria regredir em seus atos contrários ao plano, e os Estados Unidos precisariam diminuir as suas sanções.

O Plano de Ação, adotado após 20 meses de negociação no governo Obama, quase dois anos, foi considerado como um avanço histórico na época em que foi firmado; mas, em verdade, já tinha sido abandonado desde 2018 no governo Donald Trump. Dessa forma, a tentativa de uma solução negociada multilateralmente entre Estados Unidos e Irã durou pouco. O estabelecimento de sanções tem sido a norma na relação desses dois países hodiernamente.

Os resultados dessas sanções não têm sido positivos, aparentemente não conseguindo dissuadir o Irã em prosseguir com objetivos bélicos em seu programa nuclear. O Irã, que é um Estado membro originário do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), teve os objetivos de seu programa nuclear questionado em 2003, quando a Agência Internacional de Energia Atômica realizou o primeiro alerta de intensões não pacíficas.

Atualmente, a base da normativa nuclear no direito internacional é composta pelo TNP e pela Agência Internacional de Energia Atômica. O TNP foi aberto para assinatura em 1968, entrando em vigor em 1970. Atualmente, o TNP conta com a participação de quase todos os Estados, sendo exceções Índia, Israel, Paquistão, Coréia do Norte e Sudão do Sul. O seu objetivo é promover o desarmamento nuclear geral e completo, impedir a proliferação das armas nucleares e fomentar a cooperação no uso pacífico da energia nuclear. Apesar disso, o tratado reconhece cinco países como detentores de armas nucleares por já possuírem as mesmas no momento de negociação do tratado: Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França e China. De cinco em cinco anos, são realizadas as Conferências de Exame, momento em que é avaliada a implementação dos três pilares do Tratado (desarmamento, não proliferação e usos pacíficos da energia nuclear).

Já a Agência Internacional de Energia Atômica foi criada em 1957 com base no discurso do presidente americano Dwight Eisenhower, no dia 8 de dezembro de 1953, durante a Assembleia Geral da ONU, intitulado Átomos para a Paz. Eisenhower compreendeu que a tecnologia nuclear estava envolvida em uma tensão relacionada ao seu uso bélico e ao seu uso pacífico em prol da humanidade. Para superar essa dualidade, era necessário estabelecer uma organização internacional que conseguisse proteger o melhor interesse da sociedade internacional, mantendo afastada a ameaça existencial e protegendo os benefícios à humanidade.

Inclusive, o programa nuclear iraniano remonta a essa época, tendo o seu início em 1957, com a assinatura de um acordo de cooperação para uso civil da energia atômica entre Estados Unidos e Irã com base na iniciativa Átomos para a Paz. Em 1967, os Estados Unidos forneceram ao Irã um reator nuclear e urânio para a sua operação. Em 1974, em outra cooperação com os Estados Unidos, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts criou um programa de mestrado para estudantes selecionados pela Organização Iraniana de Energia Atômica, que permitiu a formação das primeiras gerações de engenheiros nucleares iranianos. A cooperação entre Estados Unidos e Irã em energia nuclear terminou em 1979 com a Revolução Iraniana, momento de ápice na tensão entre os dois países com o sequestro de diplomatas estadunidenses durante a invasão da embaixada dos Estados Unidos no Teerão.

Atualmente, em uma época de conflitos entre Israel e Palestina e entre Rússia e União Europeia, manter o diálogo multilateral sobre o programa nuclear iraniano para defender o seu uso civil e impedir o uso bélico é urgente e imprescindível para evitar uma catástrofe nuclear. Os ataques do Irã ao território de Israel em abril e o constante questionamento sobre o fornecimento de drones para a Rússia colocam, novamente, o Irã no centro da agenda nuclear internacional. A desorganização, a tensão advinda da dualidade intrínseca aos programas nucleares, a polarização do debate entre Rússia e Estados Unidos e o escalonamento de sanções na sociedade internacional indicam apenas o agravamento dessa situação.

Parece claro que a solução para o problema depende de alto grau de solidariedade e cooperação para evitar o rompimento da paz e segurança internacionais, mas que a atual estrutura do direito internacional não tem permitido que esse nível seja alcançado. Apesar de a normativa nuclear existente ter grande mérito, os esforços de renovação e manutenção desses tratados têm encontrado inúmeros empecilhos por sua base ainda estar dependente de uma ideologia do momento pós-Segunda Guerra Mundial.

Nesse sentido, o Direito Internacional das Catástrofes, que visa prevenir, superar e minimizar cenários de catástrofes, parece ser o único caminho capaz de superar esses desafios de ameaças existências. É verdade que esse novo ramo do direito internacional ainda está em construção, mas a base de seus princípios fundacionais (os princípios da solidariedade, da cooperação e da não indiferença) já tem crescido em todos os demais ramos, do Direito Internacional dos Direitos Humanos ao Direito Internacional Econômico. Mesmo ainda sendo necessário introduzir o Direito Internacional das Catástrofes na prática efetiva da sociedade internacional, é preciso ter paciência e iniciar com pequenas ações.

Para proteger o nosso destino compartilhado e os interesses comuns da sociedade internacional, as palavras do presidente Eisenhower, no seu discurso Átomos para a Paz, parecem descrever o momento atual, porém exigindo uma visão atualizada do que foi o passo de criação da Agência Internacional de Energia Atômica no pós-Segunda Guerra:

In this quest, I know that we must not lack patience. I know that in a world divided, such as ours today, salvation cannot be attained by one dramatic act. I know that many steps will have to be taken over many months before the world can look at itself one day and truly realize that a new climate of mutually peaceful confidence is abroad in the world. But I know, above all else, that we must start to take these steps - now.

 

Essa atualização nada mais é do que o passo de criação do Direito Internacional das Catástrofes para fazer frente aos diversos cenários de catástrofes contemporâneos.

 

Sugestões para aprofundar o tema:

 

AGÊNCIA INTERNACIONAL DE ENERGIA ATÔMICA. Disponível em:  https://www.iaea.org/newscenter/focus/iran/ Acesso em: 02 jul. 2024.

 

ESTADOS UNIDOS. Department of State. Disponível em: https://www.state.gov/imposing-sanctions-on-entities-and-vessels-trading-in-iranian-petroleum-or-petrochemical-products/ Acesso em: 02 jul. 2024.

 

ESTADOS UNIDOS. Atoms for Peace. Discurso do presidente Eisenhower. Disponível em: https://www.iaea.org/about/history/atoms-for-peace-speech Acesso em: 02 jul. 2024.

 

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. ‘All Diplomatic Avenues’ Must Be Exhausted to Restore Iran Nuclear Deal, Under-Secretary-General Tells Security Council, Urging Restraint. Disponível em: https://press.un.org/en/2023/sc15536.doc.htm Acesso em: 02 jul. 2024

 

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução 2231 (2015) do Conselho de Segurança. Disponível em:  https://www.un.org/securitycouncil/content/2231/background Acesso em: 02 jul. 2024

 

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares. Disponível em:  https://disarmament.unoda.org/wmd/nuclear/npt/ Acesso em: 02 jul. 2024

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