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Colunistas do Lepadia

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ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NOS DESASTRES AMBIENTAIS

Tatiane Colombo

Mestranda em Teoria e Filosofia com ênfase em Sistemas de Justiça, Aspectos Constitucionais e Processuais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), MBA em Gestão Judiciária pela Fundação Getulio Vargas (FGV), Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Estácio de Sá e Especialista em Jurisdição Civil pela Universidade Cândido Mendes (UCM). Juíza de Direito no Tribunal de Justiça do Mato Grosso e pesquisadora.

E-mail: tatiane.colombo2015@gmail.com

           A atuação do Poder Judiciário de forma preventiva e repressiva nos casos de desastres ambientais no Brasil guarda conexão com a evolução da preocupação com o meio ambiente; o tema ganha força ao se relacionar intrinsecamente com a sustentabilidade da vida humana no planeta.

          Para que os atores envolvidos possam chegar às decisões de forma mais justa nestes eventos, eles precisam conhecer a legislação ambiental interna e internacional, além dos tratados e das convenções os quais o Brasil é signatário, anexando o tema dos direitos humanos ao direito ambiental sustentável com vistas a garantir uma vida mais digna a todos.  

Ultimamente, medidas urgentes começam a ser necessárias para controlar e prevenir novas situações envolvendo desastres ambientais. Ao se observar o gerenciamento de riscos, verifica-se que nem todos os eventos decorrem da natureza, mas grande parte deles têm sua origem com a participação direta do homem. Recentemente, podemos observar no Brasil dois eventos de grande proporção: o rompimento da barragem de Mariana e também de Brumadinho.

          Inicialmente, importa registrar que falar em gestão de riscos implica em observar que os impactos dos desastres estão entranhados ao processo de desenvolvimento e à organização da sociedade.

          A preservação da vida e da dignidade da pessoa humana tem sua previsão em vários tratados internacionais de direitos humanos, a exemplo da Declaração de Estocolmo, fruto da Conferência das Nações Unidas, ocorrida na Suécia, entre 5 e 16 de junho de 1972, evento que abriu espaço para tratar do tema do meio ambiente em conjunto com a sustentabilidade quanto a questões relativas ao desenvolvimento humano.

         Destaca-se que os Marcos Internacionais direcionam o olhar para além do desenvolvimento sustentável, mas estão atentos ao enfrentamento do risco de desastres e de catástrofes. A década de 1990, por exemplo, foi destinada à prevenção internacional de desastres; depois, com as estratégias de Yokohama, Marcos de Hyogo e Sendai, houve a fixação de paradigmas dos desastres baseados na técnica ou engenharia, comportamento de ocupação do território, vulnerabilidades ou estruturas do desenvolvimento, complexidade do risco tanto nas causas quanto nas consequências. Esses marcos trouxeram uma nova roupagem para o tratamento das políticas de prevenção aos desastres nos Estados. No Brasil, por exemplo, foi criada a Política Nacional de Proteção à Defesa Civil pela Lei n. 12.608/2012.

        O termo cidades resilientes ganhou força durante os anos 2010-2015, numa campanha incentivada pela ONU, através do escritório das Nações Unidas para a redução de riscos de desastres. Tratam-se daquelas cidades preparadas para, segundo a ONU, “resistir, absorver, adaptar-se e recuperar-se dos efeitos de um perigo de maneira eficiente e tempestivo”. Para isso, devem estar compromissadas com a redução de riscos de desastres, incluindo o risco das ações climáticas, por meio de estratégias para avaliar riscos e dar continuidade ao desenvolvimento urbano.

         Assim, mais de 50 anos após a Declaração de Estocolmo, ainda discutimos a urgência de se observar o meio ambiente num contexto de desenvolvimento sustentável; argumenta-se, inclusive, que o planeta já gasta mais dos seus recursos do que a capacidade de se regenerar. Em junho de 2022, ocorreu a 2ª Conferência de Estocolmo, que trouxe o tema de como seria possível desenvolver o contexto de um ambiente sustentável de maneira mais justa.

          O que se observa, porém, é uma grande desigualdade entre os países mais desenvolvidos face aos menos desenvolvidos, envolvendo significativas questões de ordem econômica e social, que acabam travando possibilidades de se trabalhar de maneira uniforme, além de funcionar como um incentivador para a instituição de conflitos entre os países.  

Gro Brutland, em seu relatório apresentado na ONU, enfatiza a importância da sustentabilidade para que o desenvolvimento apresente critérios que assegurem às gerações futuras uma vida digna.

           Em decisão recente, ainda de 2021, a Organização das Nações Unidas, através de seu Conselho de Direitos Humanos, declarou que o meio ambiente saudável e limpo é um direito humano. Trata-se, portanto, de um marco importante para a justiça ambiental e para o direito ambiental internacional. Aliás, depois de Estocolmo, em 1972, o mais importante.

O contexto do meio ambiente em um mundo globalizado precisa ser observado com mais seriedade, pois o que ocorre em uma determinada parte do planeta, de uma forma ou de outra, impacta a Terra como um todo. Em alguns casos, o problema se estende a mais de uma região ou, até mesmo, a toda população mundial. É o caso dos efeitos da recente guerra na Ucrânia e suas consequências econômicas e sociais que, após uma pandemia que assolou o planeta, e ainda deixa rastros e vestígios, acende uma luz vermelha de perigo a toda humanidade.

         Estes e outros conflitos que impactam os direitos humanos em sua integralidade ensinam que ainda há muito a ser construído. Assim, a dignidade da pessoa humana e o conceito de meio ambiente sustentável devem ser tratados como uma das prioridades da agenda internacional.

         O assunto requer um olhar ampliado a traduzir a importância de se enfatizar o que vem sendo feito pelo Estado brasileiro, em especial, nesse cenário de sustentabilidade, de meio ambiente e de política de contenção de riscos.

Em seu art. 225, a Constituição Federal de 1988 traz: “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e de preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

          O Brasil, antes descrito como um país de recursos naturais inesgotáveis, começa a sentir já há algum tempo, os impactos ambientais. Alguns deles são provocados internamente e implicam a necessidade de maior efetividade e evolução da política de gestão de riscos de desastres, não só com foco no desenvolvimento econômico, mas que aliado a este permita o desenvolvimento de técnicas e de ações dentro de padrões e de critérios de sustentabilidade.

          Desde a década de 1980, alguns desastres ambientais no Brasil, seus efeitos e o tratamento a eles dedicado chamam atenção. Dentre eles, citamos: a) a poluição em Cubatão, com o lançamento de gases tóxicos no ar pelas indústrias ocasionando problemas respiratórios e de outras espécies; b) Césio 137 em Goiânia, ocasionado por falha em descarte de lixo radioativo, levando à morte, à contaminação do solo e do ar; c) vazamento de óleo na Bahia de Guanabara em 2000, por meio da contaminação de mais de 1 milhão de litros de óleo in natura atingindo mangues, poluindo e matando a fauna e a flora da região; d) em 2007, o rompimento da Barragem de Miraí (MG), com o vazamento de mais de dois milhões de metros cúbicos de água e argila; e) em 2003, o vazamento da barragem de Cataguases (MG), que despejou mais de 500.000 metros cúbicos de resíduos orgânicos nos rios Pomba e Paraíba do Sul; f) em 2015, o rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, no Estado de Minas Gerais, com um tsunami de rejeitos e lama de mais de 60 milhões de metros cúbicos, poluindo tudo por onde passou, destruindo o rio Doce, atingindo outros estados e matando 19 pessoas; g) em 25 de janeiro de 2019, o rompimento da barragem de Brumadinho junto ao Córrego do Feijão, que além de destruir o meio ambiente matou 270 pessoas.

          A resposta aos eventos ocorridos em Mariana e Brumadinho ainda é deficiente. No primeiro deles, o tema não se resolveu a despeito de decisões judiciais já proferidas, por isso, procura guarida junto ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos; no segundo, ocorre o mesmo quanto aos efeitos da decisão da mediação ante a responsabilidade civil e a fragilidade do contencioso criminal que ainda navega por mares de incerteza ao sair da justiça estadual para a justiça federal.

          Outras questões se tornam ainda mais complexas quando observados, por exemplo, o número de mortes e a dignidade de cada um dos mortos e de suas famílias, o meio ambiente e o impacto por ele sofrido. Questiona-se se é possível quantificar o dano por meio do resíduo tóxico que atingiu até o rio Paraopeba, um dos afluentes do rio São Francisco, além de prejudicar grupos de vulneráveis, a exemplo dos povos indígenas em aldeias, e, por fim, destruir todo um ecossistema próprio da região.

         Muitos questionamentos podem ser trazidos envolvendo pontos simples que poderiam ter contribuído para o gerenciamento do risco e a prevenção do desastre. Um deles diz respeito à permissividade da construção de sistemas que são verdadeiras bombas-relógio, pois visam tão-somente o lucro em detrimento do tratamento dispensado às comunidades próximas.

          O grande questionamento é justamente como as decisões judiciais podem trazer efetividade dentro do campo do direito dos desastres para prevenir acontecimentos ou mitigar seus efeitos, além de contribuir para reconstruir o que foi destruído da melhor forma possível.

         Um ponto importante para as decisões judiciais, além do conhecimento de todo o arcabouço de leis, tratados e convenções dos quais o Brasil é signatário, é observar a possiblidade de sua aplicação e, para além disso, a melhor forma disso ser feito.  

          O artigo 27 da Convenção de Viena, ao trazer que um Estado não pode invocar disposições de direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado, em conjunto com o artigo 26, obriga as partes e deve ser cumprido por ambas de boa-fé, visto que se reconhecem os tratados como fontes de direito internacional e como meio de desenvolver a cooperação pacífica entre as nações.

          De forma difusa, o controle de constitucionalidade passa a assegurar a garantia dos princípios de direitos humanos e, como consequência, a dignidade da pessoa humana por meio de decisões mais justas.

Cançado Trindade, sobre o controle de convencionalidade, leciona: “inexiste pretensão da primazia do direito internacional ou do direito interno [...]". No presente contexto, a primazia é a da norma mais favorável às vítimas, seja ela de direito internacional ou de direito interno. Este e aquele interagem em benefício dos protegidos.

         A Resolução n. 123 do Conselho Nacional de Justiça, de 11 de janeiro de 2022, recomenda aos órgãos do Poder Judiciário brasileiro a observância dos tratados e das convenções internacionais de direitos humanos, além do uso da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

        Alguns Tribunais de Justiça, como os de Mato Grosso e Tocantins editaram suas próprias recomendações neste sentido, o que foi consolidado pela Resolução n. 123 do CNJ. Assim, a Escola Nacional da Magistratura passou a investir na capacitação dos juízes para exercer o controle de convencionalidade. Embora pareça um movimento novo, este controle ainda se dá de maneira implícita e natural em muitos casos, mas a resolução e a capacitação abrem caminho para uma nova formatação de decisões no Poder Judiciário, a partir da observação da dignidade humana, melhorando a perspectiva de aplicação de direitos de uma forma integral. Em casos envolvendo desastres ambientais, como os ocorridos em Mariana e Brumadinho, que se possa observar, daqui em diante, não só os direitos fundamentais insculpidos na Constituição Federal de 1988, mas também os tratados e as convenções internacionais, garantindo um olhar sistêmico que realmente dê oportunidade de se trazer a melhor decisão dentro de um contexto humanista e a efetividade como um instrumento não só de mitigação, mas de prevenção de novos desastres.

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CONVENÇÃO DE VIENA sobre o direito dos tratados. Art. 27. Disponível em: https://siabi.trt4.jus.br/biblioteca/direito/legislacao/convencoes/convencao_viena_direito_tratados.pdf. Acesso em: 29 jun. 2022.

NAÇÕES UNIDAS. Como construir cidades mais resilientes – um guia para getores públicos locais – uma contribuição à campanha global 2010-2015 Construindo Cidades Resilientes – Minha Cidade está se preparada! Escritório das Nações Unidas para Redução de Riscos de Desastres. Genebra, nov. 2012. Disponível em: https://www.unisdr.org/files/26462_guiagestorespublicosweb.pdf. Acesso em: 28 jun. 2022.

TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Em se tratando do sistema americano de proteção dos direitos humanos. Tratados de direito internacional dos direitos humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997 apud GUERRA, Sidney. O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos. Instituto Memória, 2020, p. 356-357.

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