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Colunistas do Lepadia

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A INTERCULTURALIDADE COMO ELEMENTO DO DIREITO CONSTITUCIONAL INTERNACIONAL LATINO-AMERICANO

Denise Girardon

Doutora em Direito pela Universidade do Rio dos Sinos - UNISINOS. Mestra em Direito pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul- UNIJUÍ. Especialista em Educação Ambiental pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM.

E-mail: dtgsjno@hotmail.com

       O Direito Constitucional Internacional (DCI) é um ramo que se dedica ao estudo da internacionalização do direito constitucional e da constitucionalização do direito internacional. Na América Latina, o DCI é perpassado pela interculturalidade, elemento característico da região, em decorrência da (re)existência de povos e grupos, como indígenas e descendentes de pessoas escravizadas, que refletiu e reflete em tratados internacionais e nas Constituições dos Estados.

         A América Latina foi pioneira, mundialmente, em promover encontros e elaborar documentos sobre direitos humanos e direito internacional. A ideia de união dos novos países remonta ao século XIX, nos períodos de pós-independência e de constituição de arranjos institucionais que os aproximassem, como, em 1819, os movimentos da Grã-Colômbia, em 1822, o Tratado de Confederação e Mútua Garantia de Independência, o Manifesto às Nações Amigas, o Tratado de Aliança e a Federação Americana e, em 1823, a Federação dos Integrantes da República Centro-Americana.

         O primeiro projeto de unidade continental foi o Congresso do Panamá, realizado em 1826, do qual decorreu o Tratado de União Perpétua, com propostas de traços supranacionais e intergovernamentais e pretensão de um arranjo republicano latino-americano. Os temas principais eram: unir as nações sobre a base de um direito internacional comum, criar uma liga para estabelecer diálogo entre os países hispano-americanos e/ou com países estrangeiros, repudiar tentativas de recolonização da América e abolir discriminações de origem e cor, sobretudo, a escravização. Do primeiro, sucederam as conferências em Lima (1847), Santiago (1856), Lima (1864) e Caracas (1883).

       As Conferências Pan-Americanas, realizadas de 1889 a 1954, eram assembleias diplomáticas que visavam à união das nações americanas para o fortalecimento político e comercial. Foram dez encontros: Washington (1889-1890), com a criação da União Internacional das Repúblicas Americanas (UIRA), Cidade do México (1901-1902), Rio de Janeiro (1906), Buenos Aires (1910), Santiago de Chile (1923), Havana (1928), Montevidéu (1933), Lima (1938), Bogotá (1948), em que a UIRA passou a se chamar Organização dos Estados Americanos (OEA), e Caracas (1954). Até o início do século XX, os Estados Unidos integraram tanto o Congresso do Panamá, quando as Conferências Pan-Americanas, por compartilharem a maioria dos interesses com os demais países do Continente Americano.

     Ressaltam-se, na seara nacional, dois eventos históricos importantes: a Revolução Haitiana, de 1791 a 1804, que proclamou a independência e aboliu da escravatura, bem como, o ineditismo, em âmbito mundial, do México, ao inaugurar o constitucionalismo social quando reconheceu, constitucionalmente, direitos sociais e econômicos. Na contemporaneidade, citam-se os movimentos sociais no Equador e na Bolívia, pautados, sobretudo, na interculturalidade, e que culminaram nos principais expoentes do constitucionalismo latino-americano, que são as Constituições Plurinacionais.

         Os movimentos de ordem internacional e nacionais apontam para o exercício diplomático e o esforço ao diálogo regional. Se, por um lado, fatores como a instabilidade política, as dualidades decorrentes da manutenção da colonialidade, a marginalidade social, foram impeditivos para tal pretensão, por outro, permanece o esforço para superar as dificuldades em uma região que compartilha do histórico de invasão, colonização e escravidão, como as recentes alterações constitucionais plurinacionais mencionadas, enquanto conjunto de teorias próprias e para além do monismo constitucional europeu.

        No cenário latino-americano, a interculturalidade pautou e pauta os movimentos descolonizantes e a ocupação plural do espaço político, por implicar, conforme Mignolo e Walsh, na obra On decoloniality (2018, p. 59), em “[...] uma concepção e negociação do pensamento de vida a partir e com a complementaridade e a relacionalidade constitutiva das filosofias, princípios e diferenças ancestrais andinas, amazônicas e afrodescendentes” (traduziu-se).

      A interculturalidade sedimenta-se nas “[...] diferenças socioculturais, ancestrais, políticas, epistêmicas, linguísticas e baseadas na existência são afirmadas em termos coletivos e comunitários, e entendidas como contributivas para a criação de novas compreensões, coexistências, solidariedades e colaborações” (traduziu-se), como apontam Mignolo e Walsh (2018, p. 57). Tanto as propostas, constituídas na região desde o século XIX, quanto os expoentes plurinacionais, contiveram/contêm, em graus diferentes, a essência da interculturalidade, pela percepção da diferença e da complementariedade.

        A interculturalidade demanda, das sociedades, processos permanentes e ativos de negociação e interrelação, sob a perspectiva da horizontalidade. A busca por relações equitativas afasta, da diferença, a percepção negativa, decorrente da classificação hierárquica social de raça, e a aloca como condição para o diálogo, já que a certeza da incompletude cultural e étnica orienta diálogos abertos e inclusivos, relevantes para os processos de abrangência institucional e social dos sujeitos e grupos sociais.

        Nas Américas, sobretudo, na América Latina, pela sua historicidade, não há como abordar o DCI sem considerar a interculturalidade, característica decorrente das plurais sociedades e das formas de poder, saber e ser, que, até pouco tempo, eram desconsideradas pelos próprios Estados, de constituição monista. Afastar os efeitos da colonialidade é condição necessária para o diálogo, as relações e os projetos vindouros de interesses comuns, que são/serão manifestados por tratados e nas Constituições e leis internas, e para a decorrente autodeterminação e a independência regionais, que perpassam, necessariamente, pela premissa da interculturalidade.

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