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Colunistas do Lepadia

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A INDÚSTRIA FAST FASHION E OS CENÁRIOS DE CATÁSTROFES: RISCO IMINENTE OU MERA ESPECULAÇÃO?

André Ricci de Amorim

Doutorando em Direito Internacional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Mestre em Direito Internacional Público e Europeu pela Universidade de Coimbra, Portugal. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pesquisador no LEPADIA. Advogado e Professor Universitário.

E-mail: andrericci_8@hotmail.com

        Falar em fast fashion (ou moda rápida) e não abordar a questão do consumo nos parece inviável. Primeiramente, é preciso considerar que os atos de consumo sempre fizeram parte dos hábitos humanos, mas foi, consoante entendimento de Zygmunt Bauman, a partir da transição da modernidade-sólida para a modernidade-líquida que o consumo passou a requerer maior cautela.

         Nesse sentido, na perspectiva do autor, a sociedade atual parece viver num contexto em que se faz sempre necessário “satisfazer os desejos humanos de uma forma que nenhuma sociedade do passado pôde realizar ou sonhar”.[1] Hedonismo é a palavra de ordem!

          Contudo, é importante ressaltar que essa busca por satisfação dos desejos humanos, por vezes, não é exitosa e, por isso, os excessos acabam sendo experimentados. É neste ponto que entendemos ser necessário debruçar atenção.

Assim é que a nossa abordagem não busca execrar o mercado da moda ou condenar os atos de consumo, mas sim propor algumas reflexões sobre: em que medida o fast fashion se torna preocupante e pode gerar um cenário de catástrofe? Além disso, existe relação da matéria com o Direito Internacional?

          Pois bem, para responder a primeira pergunta é preciso definir, em síntese, o sentido do termo catástrofe. Valendo-nos da contribuição de Sidney Guerra, catástrofe é “um evento trágico e repentino caracterizado por efeitos que vão desde o extremo infortúnio até a completa derrubada ou ruína (de algo)”.[2] Acrescente-se que tal evento pode ser em decorrência de fenômenos naturais ou pela própria ação humana.

          Ao analisar o que se passa em contexto global, não é incomum nos depararmos com abordagens que visam conscientizar a sociedade sobre os possíveis impactos gerados, inclusive no meio ambiente, pela produção em larga escala dos bens e produtos da indústria do fast fashion. Nesse turbilhão, constata-se ainda que “os países ricos do norte global usam os países pobres do sul global como lixão de roupas que não querem mais”.[3] Portanto, quando esses materiais são dispostos de forma irregular ou sem regulamentação específica, será possível perceber os impactos ao meio ambiente e, em situações extremas, possíveis afetações ao direito à vida dos membros das comunidades locais, abrindo flancos para cenários de catástrofe.

Ademais, é importante ressaltar, de igual forma, que para além das preocupações com a proteção ao meio ambiente é preciso ter olhos para as condições de trabalho que, por vezes, os trabalhadores são submetidos, de sorte a evidenciar verdadeiras situações degradantes nas fábricas que produzem fast fashion.[4]

        É justamente por tais razões que será possível conectar a temática do fast fashion ao Direito Internacional. Noutros termos, se pautarmos a análise à luz do Direito Internacional dos Direitos Humanos, será possível notar que a proteção ao meio ambiente, à vida e ao trabalho digno deve ser resguardada pelos Estados enquanto membros da sociedade internacional e se o fast fashion rompe com esta lógica, atrai, por consequência, o Direito Internacional.

       Nesta linha de raciocínio, merece atenção a criação da Aliança das Nações Unidas para a Moda Sustentável, formalmente proposta na Cúpula do Meio Ambiente das Nações Unidas, em 2019. Ressalte-se que a iniciativa das Nações Unidas atua em parceria com o setor privado, governos e organizações não governamentais a fim de contribuir para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável através de uma ação coordenada no setor da moda.

       Já no contexto regional, uma iniciativa muito interessante que reconhece a responsabilidade de um grupo de Estados, sobretudo do norte global, advém do Parlamento Europeu. Assim, por intermédio de uma Resolução, de 10 de fevereiro de 2021, traçou-se como meta da União Europeia, dentre outros assuntos, o incentivo de novos modelos empresariais na indústria têxtil, de sorte a promover a adoção de estratégias que visem dar atenção aos impactos ambientais e sociais provocados pelo fast fashion. Ainda, vale mencionar que a iniciativa visa aumentar a durabilidade, a reutilização e a reciclabilidade mecânica e a utilização de fibras de alta qualidade, principalmente por meio de uma combinação de produção de design ecológico e esquemas de responsabilidade do produtor.[5]

        Deste modo, diante do que foi proposto no ano passado, um estudo do Parlamento Europeu, apresentado em maio deste ano, discutiu o seguinte: i) a mudança na forma como os consumidores europeus usam as suas roupas; ii) como se apresenta a indústria têxtil e de vestuário da União Europeia; iii) os impactos ambientais relativos ao tema; iv) possíveis caminhos a seguir; v) política da União Europeia e a posição do Parlamento Europeu sobre a matéria.[6]

     O ponto que consideramos merecer atenção diz respeito aos possíveis meios para tornar a indústria da moda mais sustentável apresentado neste plano. São quatro:

  1. Incentivo ao slow fashion que, ao contrário do fast fashion, busca convencer os consumidores a comprarem menos roupas de melhor qualidade e mantê-las por mais tempo;

  2. Promoção da moda circular, uma vez que busca reduzir ao mínimo o desperdício e manter os materiais dentro do ciclo de consumo e produção o maior tempo possível;

  3. Fomento da moda inteligente e instantânea. Sobre isso, ressalte-se que ao falarmos em moda inteligente, espera-se que as roupas do futuro usem tecnologia que permitam o consumidor promover alguns ajustes (mudança de cores, por exemplo), reduzindo a necessidade de produzir várias versões da mesma peça. Por outro lado, quando se aborda a questão da moda instantânea visa-se permitir a produção das peças sob demanda, inclusive, com uso de tecnologia de impressão 3D;

  4. Investimento na moda virtual, ou seja, roupas virtuais nas quais os usuários de redes sociais, por exemplo, podem aparecer em fotos vestindo constantemente roupas novas, eliminando a necessidade de produzir produtos físicos.

 

        Enfim, o caminho a ser percorrido não é fácil e requer fortes investimentos em pesquisas e tecnologia. Contudo, é de suma importância o envolvimento da sociedade internacional a fim de evitar a degradação do meio ambiente, a precarização das condições sociais e, em casos extremos, os cenários de catástrofe.

 

[1] BAUMAN, Z. Vida líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2009. P. 105.

[2] GUERRA, Sidney. Curso de Direito Internacional Público. 13 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021. P. 719.

[3] Disponível em: <https://revistaforum.com.br/cultura/2022/4/25/fast-fashion-usa-sul-global-como-lixeira-de-residuos-txteis-113446.html>. Acesso em: 24 Ago. 2022.

[4] Disponível em: <https://www.ft.com/content/e8439ef1-c588-4ad2-9579-0eac0d5d07a0>. Acesso em: 25 Ago. 2022.

[5] Disponível em: <https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2021-0040_EN.html>. Acesso em: 25 Ago. 2022.

[6] Disponível em: <https://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/BRIE/2022/729405/EPRS_BRI(2022)729405_EN.pdf>. Acesso em: 25 Ago. 2022.

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