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Colunistas do Lepadia

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ACORDO DE ESCAZÚ E DIREITO INTERNACIONAL AMBIENTAL: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

André Luiz Valim Vieira

Bacharel e Mestre em Direito pela UNESP. Doutor em Ciências Sociais (Relações Internacionais e Desenvolvimento) pela UNESP. Pesquisador e membro do Laboratório de Estudos e Pesquisas Avançadas em Direito Internacional e Ambiental da Universidade Federal do Rio de Janeiro (LEPADIA-UFRJ). Advogado.

E-mail: alv.vieira@unesp.br

A República da Costa Rica, um pequeno país localizado na América Central, cuja população é menor do que a da cidade de São Paulo, representa um local de destaque para temas e assuntos relacionados a direito internacional dos direitos humanos e direito internacional ambiental. Em San José, sua capital, localiza-se a sede da Corte Interamericana de Direitos Humanos (DIH), fundada em 1959; e que representa o tribunal internacional da Organização dos Estados Americanos (OEA). Da mesma localidade, provém a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) – também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica – aprovada em 22 de novembro de 1969, um importante marco na garantia dos direitos humanos no sistema americano; embora tenha entrada em vigor no âmbito para o Brasil somente em 1992, através do Decreto nº.678/92.

Além da importância e significância para os direitos humanos no âmbito internacional, a Costa Rica tem sido o local de importantes eventos e discussões sobre temas relacionados ao direito internacional ambiental. Neste mesmo local ocorreu em 04 de março de 2018, na cidade de Escazú, as discussões e trabalhos para a construção de um Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais entre América Latina e Caribe: por esta razão, reconhecido e denominado de Acordo de Escazú.

A relação e a dialeticidade entre o direito internacional ambiental e o direito internacional dos direitos humanos há muito tempo é reconhecido no espaço das discussões acadêmicas brasileira. Reconhece-se o direito internacional ambiental como o conjunto de normas que criam direitos e deveres para os vários atores internacionais (e não apenas para os Estados), numa perspectiva ambiental, atribuindo igualmente responsabilidades e papéis que devem ser observados por todos no plano internacional, visando a melhoria da vida e qualidade de vida, para as presentes e futuras gerações.[1]

A questão sobre as normas internacionais de proteção do meio ambiente perpassa, invariavelmente, pelos temas dos direitos humanos e que forma esses mesmos direitos são previstos normativamente, garantidos, efetivados ou descumpridos: gerando assim eventuais reparações e responsabilizações pelas nações. Os assuntos sobre temas e ações (ou eventuais omissões) dos Estados sobre queimadas e destruição de biomas e espaços ambientalmente protegidos; poluição da água, do solo e do ar; uso indiscriminado e esgotamento dos recursos naturais; fome, pobreza e desigualdades regionais; extermínio da fauna e destruição da flora, entre outros; antes, restritos localmente ganham dimensões macro e de interesses regionais e globais.

O tema condizente ao Acordo de Escazú voltou ao destaque no cenário internacional com a realização, entre 20 e 22 de abril de 2022, na cidade de Santiago, no Chile, a Primeira Reunião da Conferência das Partes (COP-1). O Brasil é um dos países signatários do Acordo de Escazú, um marco nos temas de direito internacional ambiental. Isto porque, este documento tem a natureza jurídica de norma vinculante, nascida a partir da Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20) e, igualmente, por configurar um acordo ambiental regional de eficácia internacional entre os países da América Latina e do Caribe a tratar sobre a garantia de participação popular em temas ambientais e conter disposições sobre defensores de direitos humanos em questões ambientais, aquilo que a doutrina nacional reconhece como direitos de participação "direitos de acesso" ou "direitos procedimentais”.[2]

Recentemente, houve um novo encontro ou rodada internacional sobre o Acordo de Escazú, realizada na sede da CEPAL (Comissão Econômica para América Latina e Caribe), em Santiago, no Chile, entre os dias 20 e 22 de abril de 2022. Neste período ocorreu a aprovação de uma Declaração Política na qual reafirmam o tratado como um instrumento que promove o desenvolvimento sustentável e um instrumento fundamental de governança para a elaboração de melhores políticas públicas na região, com vistas a garantir um ambiente saudável para as gerações presentes e futuras. Durante esses três dias de evento, no total, mais de 780 (setecentos e oitenta) delegados e representantes de Estados, organizações internacionais e representantes da sociedade civil participaram das reuniões e discussões: tantos presenciais quanto virtuais.

O Acordo de Escazú, sem dúvida, constitui um paradigma no cenário internacional, pois, agrega em seu texto e origem um instrumento jurídico pioneiro e vanguardista em matéria de direito internacional ambiental, proteção ecológica, acesso à informação e à justiça; e, participação pública, democrática e social para a construção de políticas públicas e ações ambientalmente direcionadas.[3] As populações mais vulneráveis, minorias e grupos antes discriminados ou desconsiderados no cenário econômico interno e internacional de exploração e uso dos recursos naturais ganham destaque e protagonismo.

O acordo traz aspectos fundamentais da gestão e proteção ambiental de uma perspectiva regional. Além de prever formas de regulação dos direitos de acesso à informação, participação pública e justiça em áreas tão importantes como o uso sustentável dos recursos naturais, a conservação da diversidade biológica, a luta contra a degradação da terra e as mudanças climáticas e o aprimoramento da resiliência a desastres. Não se restringe somente a temas de direito internacional ambiental e engloba em suas considerações e perspectivas assuntos elementares e primordiais de direitos humanos e de participação cidadã.

O objetivo primordial do Acordo de Escazú é o de garantir a implementação plena e eficaz na América Latina e no Caribe dos direitos de acesso à informação ambiental, participação pública em processos de tomada de decisão ambiental e acesso à justiça em questões ambientais, bem como a criação e fortalecimento de capacidades e cooperação, contribuindo para a proteção do direito de cada pessoa,  das gerações presentes e futuras, para viver em um ambiente saudável e para o desenvolvimento sustentável.

O Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais (Acordo de Escazú) fixa no corpo normativo internacional ambiental a legitimação de princípios antes não reconhecidos ou rechaçados em temas de proteção ambiental, como: princípio da igualdade e do princípio da não discriminação; princípio da transparência e do princípio da prestação de contas; princípio da não regressão e princípio da progressividade; princípio de boa-fé; e princípio preventivo; princípio de precaução; princípio da equidade intergeracional; princípio da máxima publicidade; princípio da soberania permanente dos Estados sobre seus recursos naturais; princípio da igualdade soberana dos Estados; e o princípio pro persona.

O Brasil é signatário do Acordo de Escazú, e, portanto, um compromissário internacional de implementação das regras, ações e medidas legislativas, jurisdicionais e administrativas firmados pelo pacto. Contudo, somente o tempo demonstrará se o compromisso político e governamental brasileiro resultará em práticas e perspectivas reais condizentes com as previsões do Acordo de Escazú, ou se continuaremos com a incoerência ambiental internacional de, externamente, argumentar  e justificar práticas de pseudo proteção e, internamente, ser um dos países com maiores riscos de vida, mortes, violências e desrespeito aos direitos humanos dos defensores ambientais e dos grupos e pessoas vulneráveis e minorias.

 

 

[1] GUERRA, Sidney. Direito Internacional Ambiental: Breve Reflexão. Revista Direitos Fundamentais e Democracia, vol. 02, n. 02, jul.-dez. 2007, p. 05.

[2] SARLET, Ingo W.; FENSTERSEIFER, Tiago. Curso de Direito Ambiental. 03 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 262.

[3] Disponível em: https://acuerdodeescazu.cepal.org/cop1/es/documentos/acuerdo-escazu

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