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Colunistas do Lepadia

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A 77ª ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS E O ESPÍRITO DO DIREITO INTERNACIONAL DAS CATÁSTROFES

Brenda Maria Ramos Araújo

Graduação em Direito pela PUC-Rio, mestrado em Direito Internacional pela UERJ, doutoranda em Direito Internacional pela UERJ, bolsista CAPES, pesquisadora do LEPADIA e do GPDI.

E-mail: brendamariara@gmail.com

        Entre os dias 20 e 26 de setembro de 2022, foi realizada a 77ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas. Os líderes mundiais de 193 países estavam reunidos para discutir os maiores problemas que afetam a comunidade internacional atualmente. O tema estabelecido para essa sessão foi “Um momento divisor de águas: soluções transformadoras para desafios interligados”. O tema representa a constatação de que o mundo passa por um ponto de inflexão. Elencam-se diversas catástrofes globais interconectadas e complexas, como a pandemia COVID-19, a guerra na Ucrânia, o fenômeno das mudanças climáticas e o aumento de preocupações sobre a estabilidade da economia global. Não há, no entanto, instrumentos com capacidade para responder de forma efetiva a essas situações. Nesse sentido, o Direito Internacional das Catástrofes parece ser uma das soluções transformadoras necessárias para a construção de um mundo mais resiliente.

       O Direito Internacional das Catástrofes é um novo ramo do Direito Internacional proposto por Sidney Guerra. Seu objetivo é desenvolver um corpo normativo capaz de responder a situações de catástrofes em termos de prevenção, mitigação e superação desses cenários. Atualmente, as catástrofes são tratadas de forma fragmentada pelo Direito Internacional, não existindo nenhuma instituição dedicada ao tema em específico e não considerando as necessidades específicas da comunidade internacional em seu conjunto. A grande característica desses fenômenos é a interconectividade. Dessa forma, também exigem respostas interligadas.

          O século XXI tem demonstrado ser um tempo de catástrofes, começando pelo atentado de 11 de setembro de 2001, que inaugurou uma nova era de ataques terroristas globais, seguido pela crise financeira de 2008, que afetou profundamente todos os Estados e ainda produz efeitos negativos na economia mundial, o tsunami no Japão em 2011, que gerou a pior catástrofe nuclear desde Chernobyl em 1986, a questão da mudança climática, que entre outros fatores tem gerado incêndios florestais mais recorrentes, e a pandemia covid-19, que paralisou o mundo com decretos de confinamento e restrições de viagens internacionais. Esses cenários representaram fatos complexos e interconectados, que desafiaram a sociedade internacional a apresentar respostas conjuntas.

        Durante a conferência de imprensa, António Guterres, Secretário Geral das Nações Unidas, iniciou seu discurso com referências às enchentes devastadoras ocorridas no Paquistão, que demonstram que caminhamos para um futuro de caos climático em uma escala inimaginável. Em suas palavras: “No picture can convey the scope of this catastrophe. The flooded area is three times the size of my entire country, Portugal.”

        Uma das propostas do Direito Internacional das Catástrofes é a criação de um fundo internacional, que possa auxiliar os países menos desenvolvidos a criar infraestruturas resilientes a catástrofes climáticas. Como Guterres menciona em seu discurso, são os países menos desenvolvidos, que pouco ou nada contribuíram para a formação do cenário atual, que mais sofrem suas consequências. Os países do G20, por exemplo, são responsáveis por 80% das emissões atuais: “Unless action is taken now, unless funds are disbursed now, these tragedies will simply multiply, with devastating consequences for years to come, including instability and mass migration around the world.”

       Apesar de a situação climática exigir respostas imediatas, o mundo também passa por uma de suas maiores crises geopolíticas desde a Guerra Fria, causando divisão e postergando a resposta da sociedade internacional. A Guerra na Ucrânia significa não só a devastação de um país, como também a ameaça nuclear, a desestabilização da economia global e o risco de uma catástrofe alimentar global, espalhando a fome em diversos países. Por esse motivo, Guterres encerrou sua fala à imprensa com um apelo ao princípio da solidariedade, que foi o princípio basilar da fundação da Organização das Nações Unidas e também é a base da formação do Direito Internacional das Catástrofes.

         Em seu discurso à 77ª sessão da Assembleia Geral, Guterres mencionou ainda mais riscos de catástrofes que a sociedade internacional enfrenta no século XXI, como o desenvolvimento da neurotecnologia, o avanço nas blockchains, as plataformas sociais que estimulam a divergência, o ódio e a desinformação como negócio, a compra e venda de informações pessoais como data para análise de expectativas de clientes, o desenvolvimento de inteligências artificiais e a ausência de uma arquitetura global que consiga prevenir, mitigar e superar esses cenários: “No major global challenge can be solved by a coalition of the willing. We need a coalition of the world.”

         Em resumo, Guterres identificou três áreas em que a solidariedade da comunidade internacional, sua resposta conjunta, é essencial: na manutenção da paz e da segurança internacionais, nas mudanças climáticas e nos objetivos de desenvolvimento sustentável. Os resquícios da crise financeira de 2008, os efeitos econômicos da pandemia COVID-19 e as repercussões da Guerra na Ucrânia têm elevado o custo de vida a níveis únicos. Infelizmente, o sistema financeiro internacional foi criado por países credores, atendendo apenas a suas necessidades e preservando desigualdades. O Direito Internacional das Catástrofes também verifica as situações de crises econômicas e financeiras como catástrofes internacionais que exigem uma resposta conectada entre diversos ramos do direito internacional. Para atingir os objetivos de desenvolvimento sustentável, os países em desenvolvimento precisam de fundos, e o Banco Mundial e o FMI devem estar associados na consecução dessas metas: “So let’s develop common solutions to common problems — grounded in goodwill, trust, and the rights shared by every human being. Let’s work as one, as a coalition of the world, as united nations.”

       Nos discursos dos estadistas que se seguiram, identificaram-se as mesmas preocupações e essa vontade de mudanças. Destacam-se em seguida alguns. Em seu discurso, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro alertou sobre a necessidade de combater a devastação da Amazônia e de controlar a crise de mudanças climáticas:

“Los convoco a salvar la Selva Amazónica integralmente con los recursos que puedan destinarse mundialmente a la vida. Si no tienen la capacidad para financiar el fondo de la revitalización de las selvas, si pesa más destinar el dinero a las armas que a la vida, entonces reduzcan la deuda externa para liberar nuestros propios espacios presupuestales y con ellos realizar la tarea de salvar la humanidad y la vida en el planeta. Lo podemos hacer nosotros si ustedes no quieren. Solo cambien deuda por vida, por naturaleza.”

        Em consonância, o primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida ressaltou que o mundo está em um ponto de inflexão, que deve ser superado pela primazia do direito internacional, do princípio da igualdade entre os Estados. A incapacidade da Organização das Nações Unidas em impedir e solucionar a Guerra na Ucrânia é o último alerta dado à sociedade internacional sobre a inépcia do Conselho de Segurança em exprimir os desejos da comunidade internacional. O Japão defendeu uma reforma estrutural desse órgão de forma a refletir todos os países do mundo:

“Faced with the crisis of the international order caused by Russia’s aggression, the General Assembly adopted a resolution condemning Russia in the strongest terms with an overwhelming majority. At that time, the UN was a beacon in the dark night, clearly indicating the direction in which the international community should go. The General Assembly proved to be the sole universal organ that represents all Member States, pointing us in the direction of the international community's just cause.”

      De forma histórica, os Estados Unidos concordaram que enfrentamos desafios interconectados que exigem amplas reformas, incluindo revisões na estrutura do Conselho de Segurança:

“I also believe the time has come for this institution to become more inclusive so that it can better respond to the needs of today’s world. (…) That is also why the United States supports increasing the number of both permanent and non-permanent representatives of the Council. This includes permanent seats for those nations we’ve long supported and permanent seats for countries in Africa, Latin America, and the Caribbean.”

       Em conclusão, na 77ª Assembleia das Nações Unidas, verifica-se o despertar da comunidade internacional, a necessidade de conscientização sobre seu destino compartilhado. Verifica-se o espírito do Direito Internacional das Catástrofes.

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